Black Lives Matter

Black Lives Matter

Definição

Movimento social global de resistência, visibilização e chamada à ação em relação à violência estrutural que acomete pessoas pretas; surgiu com a hashtag #BlackLivesMatter em 2013, após o assassinato do jovem Travyon Martin (EUA), e tem crescido e ganhado notoriedade na medida em que se publicizam casos sobretudo de violência policial contra a comunidade, através de protestos contínuos e outras intervenções.

Aspectos distintivos

Em fevereiro de 2012, um segurança chamado George Zimmerman assassinou um jovem preto desarmado, Travyon Martin, em um condomínio fechado na Flórida após reportar à polícia uma atividade suspeita no local. O julgamento de Zimmerman teve início em junho de 2013, e em julho do mesmo ano ele foi inocentado das acusações de homicídio.

O caso, seguido pela decisão judicial gerou comoção principalmente na comunidade preta estadunidense – que primeiro foi às ruas pedindo a condenação do segurança e, após, protestando pela decisão considerada injusta. Neste contexto, Alicia Garza, Patrisse Cullors e Opal Tometi criaram o movimento Black Lives Matter (BLM), originalmente uma hashtag utilizada em redes sociais para denunciar situações de racismo, desigualdade e outras violações estruturais cometidas contra pessoas pretas, frequentemente tratadas como "casos isolados", mas que evoluiu para ser um movimento político e global de amplo espectro.

Descentralizado, o movimento ganhou ainda mais força na segunda metade de 2014, com os assassinatos de Eric Garner através de uma manobra de sufocamento proibida aplicada por agentes da Polícia de Nova York (NYPD); na ocasião, as últimas palavras de Garner – I can’t breathe – acabaram se tornando uma importante expressão nos protestos seguintes); e de Michael Brown, morto com seis tiros disparados pelo policial Darren Wilson, em Ferguson (esta ocorrência também deu azo à utilização de uma outra frase: Hands up, don’t shoot!, tendo em vista que há relatos de que Brown estava com as mãos erguidas e à mostra e pediu ao policial que não atirasse). O corpo do jovem permaneceu na rua por quatro horas e meia. Também em 2014, um agente da Polícia de Ohio atirou duas vezes no adolescente Tamir Rice, que brincava com uma arma de airsoft, matando-o. O telefonista que enviou a viatura ao local do chamado não repassou aos policiais a informação de que o "suspeito" era provavelmente um jovem e de que sua arma poderia ser um simulacro.

Ferguson foi um dos locais com maior ocorrência de protestos e agitações públicas, tendo em vista que já apresentava problemas de racismo estrutural – dentre eles, o fato de que o pagamento de multas por pequenos delitos era a segunda maior fonte de renda da cidade, e estas multas eram pagas por uma maioria de residentes negros constantemente assediados e oprimidos pela força policial branca. A repressão dos protestos foi violenta, mas este título foi destinado sobretudo àqueles que se revoltaram, gerando embates até mesmo dentro da comunidade preta estadunidense.

A abrangência do movimento BLM foi reafirmada em 2020, quando policiais de Mineápolis assassinaram George Floyd, sobre cujo pescoço o policial Derek Chauvin ficou ajoelhado por nove minutos e vinte e nove segundos – apesar de Floyd indicar repetidamente que não conseguia respirar, e dos transeuntes pedirem que o agente não ficasse daquela forma sobre o homem. Ainda que em meio à pandemia de Covid-19, sem perspectiva de vacinas ou cura para a doença, protestos contra a violência policial e o racismo estrutural tomaram as ruas em todos os continentes.

No Brasil, a tradução literal da expressão (Vidas Negras Importam, VNI) também foi um importante impulso para a tomada das ruas em situações de violência contra pessoas pretas. Isso pôde ser observado, em 2020, com as mortes de João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, morto em sua casa, atingida por mais de 70 disparos durante operação policial em favelas de São Gonçalo; de Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, que caiu do 9º andar em razão da negligência da patroa de sua mãe (na ocasião, empregada doméstica que trabalhava na casa do Prefeito de Tamandaré); de João Alberto Freitas, assassinado por dois seguranças em um supermercado de Porto Alegre. Em 2021, um novo caso causou comoção – Kathlen Romeu, de 24 anos, foi alvejada durante operação policial no Complexo do Lins (RJ); a jovem estava grávida e havia se mudado da comunidade em razão da violência. Há muitos outros "casos isolados", fatais ou não, espalhados ao redor do mundo.

Este movimento, que clama por mudanças profundas, lembra desde a negativa de Rosa Parks a ceder seu lugar no ônibus aos movimentos por Direitos Civis da década de 1960 Estados Unidos, passando pela criação do Partido dos Panteras Negras. Dentre a diversificada nuance de reinvindicações possíveis, tanto no BLM quanto no VNI, está a centralidade da luta contra o racismo sistêmico e estrutural, o que perpassa discussões sobre o uso de força policial e beira o questionamento, em conjunto com outros movimentos, da versão da história mundial contada a partir de uma Europa branca.

Análise

O Black Lives Matter é um movimento ainda muito jovem na história da luta por equidade, mas que já superou movimentos anteriores em tamanho e abrangência, tendo em vista justamente seu caráter descentralizado e de cunho global.

Este tema permite aos pesquisadores refletirem sobre a história das colonizações das Américas, sobretudo dos Estados Unidos (em que pessoas pretas ou afro-estadunidenses somam 14,2% da população, aí inclusas pessoas "de raça mista") e do Brasil (em que 54% da população se encaixa no grupo "negro", formado por pardos e pretos). A população preta de ambos os países, cada qual com suas peculiaridades, tem uma história fortemente marcada pela escravidão e desvantagens estruturais sucessivas, até hoje lidando com as consequências de uma trajetória sabotada sobretudo pela branquitude colonizadora, responsável não apenas por escravizar, mas também por descaracterizar culturas e povos minorizados através de epistemicídios levados a cabo de diversas formas. Tais desvantagens hoje se traduzem numa maioria de pessoas pretas em situação de pobreza e/ou marginalizadas, empurradas para a ilegalidade de uma forma ou de outra – sobretudo porque, consideradas as sabotagens interseccionais pelas quais estes grupos passam, a cor de sua pele não é o único problema: há desnutrição, exposição à violência, educação insuficiente, pouca oferta de emprego e um baixo nível de bem-estar social geral –, encarceradas e, em derradeiro, mortas em confrontos civis ou com forças policiais notadamente racistas.

O debate sobre o movimento, suas reinvindicações e seu caráter político, é relevante pois chama ainda mais atenção para os processos que culminam na morte de pessoas pretas – sobretudo mulheres pobres –, permitindo que se vislumbre e investigue a fundo o caráter sistêmico destes. Tanto a presença quanto a ausência de corpos pretos e suas culturas em diferentes teorias criminológicas, desde Lombroso, passando pelas Janelas Quebradas com suas políticas de tolerância zero e stop and frisk, até as tendências algorítmicas de demarcar locais de maioria populacional preta como de risco, denotam a incidência universal do marcador "raça" no pensamento de estudiosos e pesquisadores, recebendo maior ou menor importância na medida em que é (ou não) apontado nos estudos. Outra questão manifesta é a brutalidade das corporações policiais e o enviesamento de sistemas judiciários, produtos de sociedades que se esforçam em prol da manutenção das já mencionadas desvantagens.

Ter o conhecimento de que tanto a morte de uma pessoa preta desarmada por um civil ou por um agente do Estado, quanto a não investigação da morte de uma criança preta, são partes essenciais de um genocídio lento, mas contínuo e muito violento – e ao qual as sociedades permanecem peculiarmente indiferentes – é o primeiro passo para ter o poder de produzir um conhecimento deslocado de um saber que ignora deliberadamente as lutas raciais, que hoje devem ser analisadas em conjunto com questões ambientais, de gênero, de saúde mental, de mídia e, não menos importante, do deslocamento de povos entre continentes.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. ISBN 978-85-98349-74-9.
CURRIE, Elliott. A peculiar indifference: the neglected toll of violence on Black America. Nova York: Metropolitan Books, 2020. ISBN 978-12-50769-94-7.
TAYLOR, Keeanga-Yamahtta. O surgimento do movimento #blacklivesmatter. Trad. Maira Mee Silva e Deivison Mendes Faustino. In Lutas Sociais, São Paulo, vol. 22 n. 40, p. 108-123, jan./jun. 2018. Disponível em https://doi.org/10.23925/ls.v22i40.46658. Acesso em 05 de janeiro de 2022.
WEISSINGER, Sandra. MACK, Dwayne A. WATSON, Elwood (eds.). Violence against Black bodies: an intersectional analysis of how Black lives continue to matter. Nova York: Routledge, 2017. ISBN 978-1-315-40870-5.

Referências artísticas

M8: Quando a morte socorre a vida (Jeferson De, 2020)
Filme

Lockdown (Anderson .Paak, 2020)
Música

Vidas Pretas Importam (Coletivo de Artistas e Produtores Culturais, 2020)
Intervenção artística

Jéssica Veleda Quevedo
Lattes | ORCID


QUEVEDO, Jéssica Veleda. Black Lives Matter. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. 3. ed. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2022. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/black-lives-matter/101. ISBN 978-65-87298-14-6.