Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951)

Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951)

Mais de setenta anos desde a morte de Oliveira Vianna, em 1951, sua obra aparenta estar datada, espelhando as ideias de sua época. Convencido pelas ideias do naturalismo sociológico, Oliveira Vianna explicou as mudanças e características do povo brasileiro a partir do determinismo mesológico e biológico, nos quais as pessoas são determinadas pelo meio, e a sociedade é vista em analogia a um organismo biológico.

Assim, e com inspiração em outros autores largamente citados na sua obra, Oliveira Vianna viu na etnologia uma ciência que poderia explicar a sociedade e a história. É relevante a ideia de "raça" em momentos iniciais de sua obra, que passa a ser rejeitada posteriormente, quando o autor atribui à mesologia as diferenças (e diferenciações) entre povos.

Francisco José de Oliveira Vianna nasceu em Saquarema, na província do Rio de Janeiro, em 20 de junho de 1883. Era filho de fazendeiros, posição que viria a preservar ao longo de sua vida. Tornou-se bacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito, em 1905, no então Distrito Federal, que era a cidade do Rio de Janeiro.

Em 1916, tornou-se professor da Faculdade de Direito do Estado do Rio de Janeiro, na cidade de Niterói. Ocupou cargos em diferentes institutos nos anos 1920 e, em 1932, assumiu um cargo no Ministério do Trabalho sob governo de Getúlio Vargas, numa das comissões técnicas criadas com o intuito de sistematizar a elaboração das leis sociais e trabalhistas do país, sendo o principal integrante da comissão – posto que ocuparia até 1940. Em 1937, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras e, em 1940, nomeado ministro no Tribunal de Contas da União, exercendo o cargo até sua morte, em 28 de março de 1951.

Os escritos mais relevantes de Oliveira Vianna tratam da concepção do Estado e das instituições políticas. A preocupação com a política brasileira foi substancializada nas obras Problemas de Política Objetiva (1930) e Instituições Políticas Brasileiras (1949, 2v.). É principalmente por causa de sua obra sociológica que foi considerado um dos intérpretes da realidade nacional brasileira dos anos de 1920 até o final da primeira metade do século XX, tendo um discurso qualificado como "autoritário".

Em Raça e Assimilação (1932), Oliveira Vianna deixa muito claro seu viés positivista ao buscar elencar características das diferentes "raças" humanas. Primeiro, ele relativiza os conceitos de "raça", "etnia" e "povo", e discorre sobre a diferença de uma "psicologia das raças" e uma "psicologia dos povos". Para determinar os "typos" de indivíduos, o autor separa a humanidade em diferentes povos (o inglês, o francês et al.), os quais se diferenciariam em subcategorias de indivíduos com base em tipos psicológicos, que se confundem com tipos morfológicos.

É preocupante a dedicação manifestada pelo autor na busca pela classificação das pessoas com base em características morfológicas, já que isso significa uma correlação entre o que chama de "psicologia" e "raça". Oliveira Vianna cita autores como Cottevieille-Giraudet, quem oferecia uma utilidade à psicologia das raças, ao pressupor que o conhecimento sobre as suas peculiaridades possibilitaria o seu controle. A busca de Oliveira Vianna sugere a tentativa de um projeto biopolítico.

No entanto, sua obra não é uma unidade imediata, certa ou homogênea (sob perspectiva foucaultiana). Como autor da década de 1920, as dimensões de sua obra se manifestam a partir dos determinismos biológico e geográfico. Há uma inflexão na década de 1930, no entanto, quando passa a agir como funcionário do Estado, na função de normalizar relações trabalhistas e assumindo um papel mais político-institucional. Assim, é possível que os seus trabalhos posteriores e de natureza político-institucional tenham sido de encomenda. Problemas de Direito Corporativo (1938) e Problemas de Direito Sindical (1943) são livros que representam essa mudança.

Na vasta produção bibliográfica, o autor fluminense abordou desde sociologia e ciência política até etnologia e história brasileiras. Seguia, portanto, uma linha com objetivo de analisar criticamente a sociedade brasileira e de teorizar reformas institucionais. Assim, em Instituições Políticas Brasileiras, lançado em 1949, apesar de atualizar o discurso, ele manteve as próprias convicções teóricas do início de sua escrita, mais de vinte anos antes.

Oliveira Vianna também defendia o sufrágio classista ou corporativo, em detrimento do sufrágio universal, considerando que as reformas de caráter constitucional não causam as grandes mudanças da vida política. Tomar as elites como aplicadoras de um autoritarismo institucional imposto sobre a população é uma das ambiguidades do pensamento de Oliveira Vianna. Ora, sendo as elites dirigentes recipientes de uma tradição liberal importada e sendo as condições do país inconsistentes com um liberalismo político-institucional, a vigência do autoritarismo numa perspectiva instrumentalista seria, para dizer o mínimo, incerta. Mais incerta ainda seria a conjuntura de um pós-autoritarismo futuro, uma ideia defendida de democracia em que haveria participação coletiva como a principal característica.

Oliveira Vianna usou a ideia de solidariedade social ao se referir à "força", ou à "coesão social", que une as pessoas em prol de interesses coletivos, nas "organizações de classe". No entanto, na realidade do país, especialmente em áreas do interior do Brasil, os grupos partidários seriam fechados, numa espécie de "sistema de clã", apoiando personalidades ao invés de ideias. Tal fenômeno demonstrava um caráter fragmentário da sociedade brasileira, e o regime autoritário defendido por Oliveira Vianna tentaria mitigar os efeitos de tal fragmentariedade. Hoje, há bases empíricas muito sólidas que apoiam a ideia de que um regime democrático não é construído sob perspectiva de uma via autoritária, tomando a vasta experiência autoritária no país.

Ainda, Oliveira Vianna pensava na existência de dois "Brasis": o Brasil real e o Brasil legal. Há, nesse sentido, defasagem entre instituições e sociedade, ou seja, entre elites políticas (as quais tentam importar modelos externos) e a realidade social. As denominadas "elites dirigentes", herdeiras do liberalismo desenvolvido na França e em países anglo-saxões, estariam alienadas quanto ao que acontece no Brasil real. Para este autor, no entanto, tal ideia se aproximava de uma tentativa de absolvição de tais "elites" de uma possível condenação simbólica, ao permitirem uma distribuição de renda como a brasileira. Além disso, tal constatação também não se atinha a fundamentos concretos a respeito da compreensão dos membros das elites dirigentes, pensadas por Vianna, acerca da sociedade.

Sendo um pensador (e ator) do Estado e da sociedade, Oliveira Vianna não deixou de escrever sobre o poder coercitivo do Estado e de criticar a forma como é assinalado o Direito no país. Dividia dois tipos de mudanças sociais: mudanças endógenas (estruturais, lentas e de mentalidade) e mudanças exógenas (aquelas preparadas ou forçadas pelo Estado, através de planos de reformas e através do uso de mecanismos estatais).

É nesse sentido que se destaca um elemento importante da obra de Oliveira Vianna, que é a cristalização de proposições sobre a intervenção do Estado na sociedade, a partir de técnicas autoritárias, muito bem definidas. Constata-se isso quando se adota o caráter autoritário das obras do autor fluminense como ponte entre as tradições autoritárias nacionais (anteriores a Oliveira Vianna) e uma proposta institucional delas. Possuindo o discurso criminológico um caráter político, Oliveira Vianna torna-se importante pela condição inaugural de seu pensamento autoritário e conservador.

O conceito de criminologia não é um conceito homogêneo. Ela pode ser compreendida como um "discurso que leva a práticas", caracterizando-se como construção histórico-social, não como saber ontológico. Mais que isso, a construção de uma criminologia própria torna-se necessária, através do olhar sobre a incorporação colonial do processo civilizatório no país. Assim, introduz-se uma tendência do autor em pensar a criminalidade como consequência dos determinismos biológico e social. Ao Estado caberia agir sobre tais causas.

Portanto, é ponto de convergência entre estudiosos (que analisam, separadamente, a sua obra sociológica e política; a associação de seus discursos com a criminologia; e o caráter de sua obra de maneira a constatar certa heterogeneidade temporal temática) o reconhecimento do caráter ambíguo do autor e, de forma mais abrangente, de pensadores do autoritarismo brasileiro.

É perceptível na formação do autor como se deu o desenvolvimento das suas ideias. Oliveira Vianna, no curso de formação, foi aluno de Sílvio Romero. Ensinou, após formado, Teoria e Prática do Processo Penal. Em seu programa (de 1924) deixou clara sua filiação à Escola Positiva, cujos corifeus foram Lombroso, Ferri e Garofalo, da "Nova Escola" penal.

Apesar disso, o discurso criminológico do autor não é visto como um discurso capacitado ou adequado, pelos autores que o analisaram. No estudo O Tipo Brasileiro: seus elementos formadores, por exemplo, teve grande participação, trazendo considerações e exemplos preconceituosos e infundados, na tentativa de criar uma psicologia que diferenciasse as raças. O estudo, certamente preparado por encomenda, fazia parte do Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil (de 1922), e melhor opção teria sido Edgard Roquette-Pinto, detentor de comprovado conhecimento em biologia e de competência profissional.

Seu texto traz influência, talvez, do livro Guia Prático para a Instrução dos Processos Criminais, de Hans Gross. O capítulo Os ciganos (zingari), e seus caracteres começa insultando o que chama de "qualidades morais" dos ciganos, característica que utiliza de forma a incapacitá-los como "ignorantes" sobre assuntos gerais. Professor de direito penal na Universidade de Graz, Gross considerava-se importante figura no desenvolvimento de uma "psicologia criminal subjetiva", não obstante, hoje, seja apenas detentor de um ingênuo psicologismo.

Oliveira Vianna ainda reivindicava para si mesmo um apreço pela cientificidade das suas ideias, o que tende a se corresponder no seu discurso, embebido no positivismo. Nesse sentido, não é de se estranhar seu interesse na área do Direito Penal, disciplina que, à época, passava por um privilegiado processo de modernização e cientificação.

Em 1924, Oliveira Vianna lançou um folheto de doze páginas de nome Programa de Teoria e Prática do Processo Criminal, na Faculdade de Direito de Niterói (que passaria a integrar a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, a qual, por sua vez, se tornaria a Universidade Federal Fluminense). Ensinou, ali, direito judiciário penal, ou, mais propriamente, prática do processo penal. Apesar do nome do programa, a expressão processo penal é a usada no enunciado dos fatos. O programa de Oliveira Vianna seguiu os compêndios Curso de Processo Criminal, lançado em 1917, de Galdino Siqueira ("5.º Promotor Público no Distrito Federal, membro efetivo do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros e sócio-correspondente do Instituto Histórico de S. Paulo") e o de Antônio Moniz Sodré de Aragão ("Lente Catedrático de Direito Criminal na Faculdade Livre de Direito da Bahia"), de título As Três Escolas Penais – Clássica, Antropológica, Crítica (Estudo Comparativo), também de 1917 (especialmente o primeiro). Ao iniciar o curso de direito, Oliveira Vianna já dispunha do compêndio de Viveiro de Castro, A Nova Escola Penal.

Os livros de Viveiro de Castro e de Sodré de Aragão apresentam as escolas e fundamentam a "cientificidade" da Escola Positivista. O livro de Galdino Siqueira é sobre a prática do processo criminal. Interessante ainda seria a análise crítica do programa de Oliveira Vianna, sem a segregação de tal análise daquilo que consagraria o autor – sua obra sociológica.

Sobre a trajetória de docente na área do direito criminal, nota-se que a dedicação preliminar do autor sob influência da Escola Positiva marcou um período consolidante das características de sua obra, analisando a sociedade brasileira, essencialmente, com fundamento em sua dicotomia (elites e massa).

É arriscado, porém possível, alegar que o interesse preliminar de Oliveira Vianna nos autores consagrados da Escola Positiva e na realidade do país em que vivia fez com que voltasse sua atenção à estrutura social e aos problemas derivados dela. Sua vasta obra sociológica, no entanto, ficou marcada como obra de encomenda, pois percebia uma impossibilidade de ascensão das massas sociais sem a atuação ativa de uma elite dirigente – além de sua associação ao Estado Novo de Getúlio Vargas.

Vítor Augusto Berghauser da Silva
Lattes | ORCID