Definição
Rejeição, aversão, temor e/ou desprezo ao indivíduo pobre, desamparado e/ou que – ao menos, aparentemente – não possui nada a oferecer em uma sociedade de trocas.
Aspectos distintivos
A expressão é a junção das palavras gregas άπορος (á-poros) – sem recursos, indigente, pobre – e φόβος (fobos) – medo. O neologismo foi cunhado por Adela Cortina nos anos 1990 e, posteriormente, descrito de forma mais minuciosa em seu livro de mesmo nome, lançado em 2017.
De forma geral, a aporofobia designa a aversão ao pobre e apresenta sete características fundamentais: (1) é a rejeição de um grupo; (2) não é uma fobia de identidade; (3) é uma condição natural do ser humano; (4) é um problema de motivação moral; (5) se manifesta em vários níveis; (6) é um problema institucional e; (7) é uma patologia social.
Cortina se refere à prática como uma "chaga sem nome", uma patologia social que durante séculos excluiu pobres da sociedade e que permaneceu por muito tempo sem denominação. A autora chega a esse argumento ao diferenciar o tratamento dado aos estrangeiros na Espanha. Aos refugiados de guerra e outros grupos sociais que buscavam acolhimento, há uma rejeição chamada de xenofobia; entretanto, Cortina percebeu que os estrangeiros que vinham por turismo ou profissionais que decidiam mudar para Espanha não recebiam este tratamento de rejeição. O que os diferenciava era a pobreza. Como aquelas pessoas nada poderiam oferecer ao país, seja consumindo serviços no turismo ou oferecendo serviços como profissionais, sua presença ali era considerada desagradável e inapropriada.
Análise
Para compreender a aporofobia de forma plena, é necessário estabelecer que o entendimento de pobreza é uma construção social que varia conforme tempo e espaço e depende de fatores como economia, cultura, sociedade e política. A privação desses fatores pode levar à exclusão social. Em uma sociedade de trocas, os sujeitos não são meros rivais que lutam por sua própria existência, mas parceiros de interação que necessitam uns dos outros para realizar seus planos. É neste cenário que a exclusão surge, quando um dos indivíduos têm pouco ou nada a oferecer. Na sociedade contratualista e cooperativa de troca se exclui o radicalmente estranho, o que não entra no jogo da troca, porque não parece que possa oferecer qualquer benefício em retorno.
É possível analisar a aporofobia como um fenômeno multinível divido em 3 partes, sendo eles o micro, meso e macro. No nível micro, está a trajetória psicoemocional de cada indivíduo, que ajuda a desenvolver um estado de aporofobia a partir de percepções, interpretações e imaginações; no nível meso, estaria o reflexo desses processos micro nas instituições e nas relações coletivas; já em nível macro, a aporofobia estaria no espaço cultural e político que rejeita o pobre.
Pela sua manifestação multinível, as atitudes compreendidas como aporofóbicas também pairam sobre a cultura e hábitos das pessoas, afetando também a vida institucional da sociedade, moldando acordos intersubjetivos. A rejeição aporofóbica opera na exclusão social de indivíduos fora dos círculos de consumo; eles estão sujeitos às conformidades de um grupo consumidor que compõe instituições formais e informais da sociedade.
É importante frisar que alguns grupos são mais propensos à exclusão social, como jovens, deficientes, imigrantes, minorias étnicas, mulheres, idosos e desempregados. Na América Latina há um grau significativo de discriminação social em relação aos grupos étnicos minoritários e ao racismo, com isso, pode-se dizer que o ódio da aporofobia é aquele dirigido indiscriminadamente contra todo um grupo, não vindo de um grupo de pessoas previamente humilhadas ou ofendidas.
Mesmo que a aporofobia e xenofobia possam compor tendências naturais – recursos que a evolução incorporou ao nosso cérebro durante a luta pela sobrevivência –, não podemos resumir a discussão a um reducionismo biológico, pois há a clara existência de ciclos-viciosos sociais, visto que a exclusão social conduz à perda do pertencimento social, econômica e relacional. Essa constatação, quando somada às críticas de Cortina, oportuniza que a aporofobia seja abordada como um problema multidimensional.
Essa exclusão social tem consequências importantes para o desenvolvimento humano e para o próprio bem-estar das pessoas carentes que são excluídas, discriminadas ou mesmo agredidas em decorrência desse preconceito socialmente compartilhado que gera ressentimento, insegurança e ódio de si mesmo.
Referências bibliográficas
ANDRADE, Marcelo. ¿Qué es la ‘aporofobia’? Un análisis conceptual sobre prejuicios, estereotipos y discriminación hacia los pobres. Agenda Social - Revista do PPGPS/UENF. Campos dos Goytacazes, v.2, n. 3, pp. 117-139, 2008.
COMIM, Flavio; BORSI, Mihály Tamás; MENDONZA Octasiano Valerio. The Multi-dimensions of Aporophobia. MPRA Paper n. 103124, 2020.
CORTINA, Adela. Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia. trad. Daniel Fabre. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020.
ORTEGA ESQUEMBRE, César. La Aporofobia como desafío antropológico. De la lógica de la cooperación a la lógica del reconocimiento. Daimon - Revista Internacional de Filosofia, n. 77, pp. 215-224., 2019
Referências artísticas
Parasita (Bong Joon-ho, 2019)
Filme
O filme coreano vencedor do Oscar de melhor filme retrata a diferença social como marcador de classe e o desprezo despejado aos pobres.
El Chavo Del Ocho (Roberto Bolaños e Enrique Segoviano, 1973-1980)
Seriado
A famosa sitcon mexicana mostra situações dos moradores de uma vila e suas relações. Os episódios retratam a aporofobia entre pessoas da mesma classe ao recortar o tema pelo reconhecimento na relação entre Dona Florinda e Seu Madruga.
Haiti (Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1993)
Música
A música mostra a aporofobia institucional por meio de uma crítica à violência policial, além de marcar a intersecção entre racismo e pobreza que ocorre em algumas sociedades.
Diego Rosa dos Santos
Lattes | ORCID
SANTOS, Diego Rosa dos. Aporofobia. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); ABREU, Carlos A F de; RIBAS, Eduarda Rodrigues (orgs.). Dicionário Criminológico. 4. ed. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2023. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/aporofobia/125. ISBN 978-65-87298-15-3.