Definição
Mecanismos de intervenção positivos ou negativos utilizados para induzir determinados comportamentos de sujeitos integrantes da sociedade ou de grupos sociais; modo de disciplinar o corpo social, com a submissão de indivíduos a certos princípios morais e padrões sociais, com intuito de manter determinada ordem.
Aspectos distintivos
Em meio ao andamento das atividades cotidianas que perpassam a vida, o convívio e as interações sociais, pouco é refletido sobre os hábitos, sua formação, origem e quais seus reflexos na formação do homem e da prática humana. Devido ao esforço para a obtenção da maioria dos hábitos fundamentais ser desenvolvido na primeira infância comumente ocorre o esquecimento do processo percorrido. Todavia, os hábitos podem ser interpretados como padrões de comportamentos que constituem produtos da experiência humana, e não da herança biológica. A história da humanidade é um processo contínuo de desenvolvimento de novos hábitos, tratando-se o homem de ser suscetível de modelação pela sociedade, dada a flexibilidade de seu comportamento.
Com o passar do tempo, a partir do processo de esquecimento, decorrente do desconhecimento da origem de certas ações e posturas cotidianas, e do compartilhamento de determinados comportamentos por grupos sociais, os hábitos passam a ganhar aparência de naturalidade e imutabilidade. Essa aparência resulta na ausência de questionamentos, que pode ser entendida como garantia da estabilidade de determinadas sociedades e de seus sistemas e também como garantia da obediência a determinadas regulações.
O controle social, como um conjunto de métodos pelos quais a sociedade influencia o comportamento humano, é a matriz dessas aparências e ausências, expressões para a manutenção de determinada ordem, responsáveis pela coesão e pela estabilidade social. Cada sociedade apresenta um sistema diferente ou diferentes ênfases de controle exercidos por agências, sendo que entre quase todo o sistema existente há dependência mútua entre as agências - elas são mutuamente condicionadas. No mais, é importante mencionar que na ocorrência do enfraquecimento de uma agência ocorre a substituição por outra, pois tratam-se de eixos de ação entrelaçados.
Andrade destaca como função do controle social selecionar entre os bons e os maus os incluídos e os excluídos – quem fica fora e quem fica dentro do universo em questão, e sobre quem recai o peso da estigmatização. A mecânica de controle, enraizada na estrutura social, é constitutiva e reprodutora de profundas assimetrias que engendram e alimentam os estereótipos, os preconceitos e as discriminações, sacralizando hierarquias sociais. Aos diferentes tipos de controle estão ligados métodos de sanções que se coadunam ou variam entre desaprovação individual por parte dos companheiros à punição oficial sob a forma de multas, pressão, entre outros.
Para tornar mais didática a compreensão de como se dá o funcionamento deste mecanismo, será adotada, tal qual o é por alguns autores dedicados à temática, a divisão dos controles sociais em formais e informais, relacionando-os com as esferas públicas e privadas da vida social:
a) Controle social informal ou difuso: esse tipo de controle está diretamente relacionado à vida social privada do sujeito, ocorre por meios difusos como a escola, a família, a igreja, o mercado de trabalho, etc. Os processos gerais de etiquetamento têm lugar no seio dos mecanismos desse controle; assim, o sistema penal realiza os processos de criminalização e estigmatização com o auxílio do controle social informal, havendo auxílio mútuo entre ambos. Apoiado nessa noção, é possível concluir que o Sistema de Justiça Criminal não está só na perfectibilização desses processos (criminalização e estigmatização); a responsabilidade é distribuída no desempenho das atividades das escolas, igrejas, família e de todas as demais agências reguladoras informais.
b) Controle social formal ou institucionalizado: é integrado pelos processos de criminalização primária, secundária e terciária exercido pelos poderes (Legislativo, Judiciário e o Executivo) e os órgãos a eles vinculados. As regulamentações, leis e normativas existentes seguidas pela sociedade, do mesmo modo que as instituições de controle do crime e da justiça criminal, estão localizadas nesse eixo do controle social, vinculado à esfera da vida pública do sujeito. Essas agências tendem a ser adaptáveis e reativas, operam buscando complementar os controles sociais da vida comum, os controles informais, apesar de por vezes interferirem nesses, prejudicando-os em termos de efetividade.
O Sistema de Justiça Criminal é um subsistema de controle social, constituído pelas instituições oficiais e circundado pelas instituições informais. Nós estamos integrados e participamos dessa mecânica de controle, seja como operadores formais, seja como senso comum expressado pela opinião pública. Isso quer dizer que o sistema pode ser definido como um processo articulado e dinâmico de criminalização ao qual concorrem não apenas as instituições de controle formal, mas também o conjunto integrado dos mecanismos de controle social informal, não havendo, portanto, uma ruptura entre o sistema e o exercício dos controles difuso ou institucionalizado, mas uma integração de ambos ao sistema.
Como um conjunto de respostas sociais ao crime, o campo do controle do crime envolve tanto as atividades oficiais do ordenamento social como as atividades de atores e agências privadas, nas práticas e rotinas ordinárias. O controle social interessa à criminologia principalmente por operar como um composto de práticas habituais, automáticas de supervisão, repressão ou repreensão mútuas operados pelos membros da comunidade, atuando como um mecanismo, uma ferramenta do controle do crime.
David Garland, em A Cultura do Controle, ao analisar o cenário contemporâneo do controle do crime nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha – reflexões que ainda que limitadas as diferenças sociais, culturais e institucionais das nações servem como guia para os demais países –, nomeia como "estratégia de responsabilização" a tentativa de estender o alcance das agências estatais através da vinculação com a atividade de atores do "setor privado" e da comunidade. A estratégia envolve um novo tipo de ação indireta na qual as agências estatais incentivam a ação de atores e de organizações não estatais, consistindo o resultado esperado em uma rede otimizada de controle do crime. Nesse sentido, noções como o exercício dos poderes soberanos independentes de outros atores sob o crime ou a ideia de monopólio do controle do crime são abandonadas, passando a ser adotada uma relação estratégica com outras forças do controle social.
Análise
O processo acima traçado poucas vezes é objeto de dedicação de reflexão, fazendo com que a relação entre o hábito humano, seu condicionamento e as agência de controle social deixem de ser compreendidas em parâmetros mínimos de entendimento. Assim, o desempenho das atividades mais simples ou complexas passa a ser encarado com ar de naturalidade, legitimidade e, inclusive, automatismo - advindo da percepção de que a ação é a mais lógica a ser seguida. Em diversos âmbitos da vida social é possível perceber a influência de fontes externas e a intrínseca capacidade do ser humano a adequação. Nesse sentido, ao confrontar as conhecidas deficiências existentes para a promoção do bem-estar social, a difusão de discursos populista e popularescos pelas autoridades e a mídia, a influência desses na formação da opinião pública e o crime, chega-se a adoção da prática pelo Estado do aumento eficiente do controle social como método penal para o controle do crime. Ao aprofundar a abstração, fazendo uso das teses alinhavadas por Garland, e pensar na prática do controle social formal já vista em escala de assoberbamento no país, a política de encarceramento em larga escala, chega-se ao desfecho da utilização do mecanismo como forma de zoneamento segregacionista de populações rejeitadas pelas instituições sociais, como o trabalho e a família. A prática passa a funcionar como um modo de posicionamento econômico e social, deixando a prisão de ser representada como o último estágio do processo de tratamento, uma última instância do setor correcional, a ser transformada em um mecanismo de controle e exclusão.
Referências bibliográficas
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. "A Soberania Patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher", Revista Sequência, v. 26, n. 50, jul. 2005, p. 71-102.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan, 2008.
MANNHEIM, Karl. Sociologia sistemática: uma introdução ao estudo da sociologia. São Paulo: Pioneira, 1962.
Referências artísticas
Comportamento Geral (Gonzaguinha, 1973)
Música
Lançada em 1973 por Gonzaguinha, a canção demonstra atemporalidade, razão motivadora de regravações nos últimos anos por grandes nomes da música popular brasileira, como Elza Soares, Ney Matogrosso e Vanessa da Mata. Recheada de ironias, a música explicitamente evidencia condicionamentos vividos pela sociedade brasileira e encarados com naturalidade.
1984 (George Orwell, 1949)
Livro
Distopia futurista, a obra é um romance que aborda de forma ficcional o totalitarismo. Winston, personagem principal do enredo, vive aprisionado e questionando a sociedade completamente dominada pelo Estado, por um partido único e pela figura de um Grande Irmão, onipresente e onisciente.
Máquina de dar Certo (Roberto Audio, 2012)
Peça teatral
Homens e mulheres numerados e trancafiados em um cômodo são submetidos a uma série de estímulos sonoros e visuais para testar seu condicionamento a ações determinadas por uma voz desconhecida. Baseada em experimentos do psicólogo behaviorista, inventor e filósofo norte americano, Burrhus Frederic Skinner, que criou a "máquina de ensinar" (simplificadamente, espécie de aparelho de perguntas e respostas determinadas com o objetivo de moldar comportamentos).
Karolline da Silva Silveira
Lattes | ORCID
SILVEIRA, Karolline da Silva. Controle Social. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. 2.ed. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2021. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/controle-social/70. ISBN 978-65-87298-10-8.