Definição
Crimes em que o perpetrador seleciona potenciais vítimas com base em motivos discriminatórios ou preconceitos direcionados a determinado grupo.
Aspectos distintivos
Não existe, de fato, um conceito universal de “crime de ódio”. O título em si teve seu primeiro uso entre as décadas de 1970 e 1980, acompanhando tanto um interesse criminológico na vítima como um elemento central dos crimes que deveria ser também estudado (vitimologia), quanto uma maior atenção a questões sociais relativas a raça. Desde então, o conceito tem sido utilizado para abarcar um sem número de eventos até mesmo prévios à própria definição, desde a atuação da Ku Klux Klan e outros grupos de extrema direita, passando por grupos fundamentalistas que militam contra minorias LGBTQIA+ e não excluindo fóruns e grupos online que promovem ódio ao gênero feminino. Assim, é possível perceber que a expressão “crime de ódio” abarca xenofobia, LGBTQIA+fobia, machismo e misoginia, entre outros “ódios”. Analisando abertamente, é possível afirmar que, nos crimes de ódio, a identidade da vítima importa – e o crime demonstra nada menos do que os pensamentos, impressões e reflexões do criminoso sobre ela. De acordo com Lawrence, tais crimes ocorrem não porque a vítima é “quem” ela é, mas sim por ser “o que” ela é. Aponta-se, ainda, que essas ocorrências têm também o escopo de perpetuar estruturas hegemônicas, sustentando a dominação de uma classe privilegiada ao mesmo tempo que lembra às vítimas seu lugar.
Em um mundo cada vez mais globalizado e com pautas identitárias sendo amplamente debatidas, o debate acerca dos crimes motivados pelo ódio é extremamente importante na medida que vem a validar e, de certa forma, permitir o desenvolvimento e vivências de grupos específicos. Compreender o identitarismo, a busca por pertencimento e pelas origens culturais, étnicas etc. e o direito de viver de acordo com a sexualidade e o gênero adequados é, também, um caminho para compreender as opressões estruturais sofridas por minorias.
Análise
Materialmente, dentro das estruturas já consolidadas do Estado e da sociedade, busca-se coibir e punir crimes de ódio através da legislação criminal (no Brasil, pune-se tanto o racismo, a injúria racial e o feminicídio, de modo que os debates legislativos se encaminham para o enquadramento da homofobia como crime; a própria Constituição traz texto prevendo punição para quaisquer tipo de discriminação), ao mesmo tempo em que se busca promover reparação histórica para as minorias, o que passa por cotas raciais e para mulheres em diversos setores, como vagas em universidades e no serviço público, quanto por equiparações e validações de uniões afetivas entre pessoas do mesmo gênero.
Todavia, em todo mundo é perceptível e documentada a ascensão de grupos extremistas e promotores de ódio que se orgulham das opressões e preconceitos que perpetuam. Chamam atenção atualmente, em um fenômeno relativamente recente no Brasil, os crimes motivados por gênero que ocorrem com e diante de grandes públicos, na forma de assassinatos em massa. O efeito desses acontecimentos é um medo generalizado e isolamento das minorias sociais, representando um bom exemplo de um dos objetivos de criminosos deste tipo.
Nota-se que o debate legislativo ainda não alcança a amplitude necessária para conscientização social, sendo ainda possível questionar a aplicação dos resultados e a efetividade das próprias leis: não existindo um debate com a sociedade, sobretudo com agentes de segurança pública, permanecem os mesmos pensamentos retrógrados que permitem tais acontecimentos; assim, as vítimas jamais são amparadas de modo adequado, que observam o ódio contra si ser veiculado cada vez mais veementemente.
Referências bibliográficas
HALL, Nathan; CORB, Abbee; GIANNASI, Paul; GRIEVE, John (eds.). The Routledge international handbook on hate crime. Routledge, 2014.
HARDY, Stevie-Jade; CHAKRABORTI, Neil. “Crimes de Ódio”, In CARLEN, Pat; FRANÇA, Leandro Ayres (orgs.). Criminologias alternativas. Porto Alegre: Canal Ciências Criminais, 2017.
JACOBS, James B.; POTTER, Kimberly. Hate crimes: criminal law & identity politics. Nova York: Oxford University Press, 1998.
LAWRENCE, Frederick M. Punishing hate: bias crimes under American law. Cambridge: Harvard University Press, 2002.
Referências artísticas
American History X (Tony Kaye, 1999)
Filme
Um líder nazista revê suas experiências e crenças após cumprir pena pelo assassinato de dois jovens negros.
Hate Crimes in the Heartland (Rachel Lyon, 2015)
Documentário
O documentário explora crimes de ódio ocorridos nos Estados Unidos ao longo de 90 anos.
Intolerância.doc (Susanna Lira, 2017)
Documentário
O que motiva os crimes de ódio e a intolerância dentro da sociedade brasileira? Esta pergunta, ainda sem resposta definitiva, ganha cada vez mais importância conforme novas notícias e acontecimentos surgem, provando que o Brasil pode não ser um país formado apesar de suas contradições e por causa de suas misturas, mas sim um país formado com base na intolerância em relação às suas misturas.
Jéssica Veleda Quevedo
Lattes | ORCID
Nota de atualização dos editores (3ª edição):
Os termos LGBTQ e LGBTQfobia foram atualizados para LGBTQIA+ e LGBTQIA+fobia, respectivamente.
QUEVEDO, Jéssica Veleda. Crimes de ódio. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2020. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/crimes-de-odio/32. ISBN 978-85-92712-50-1.