Criminologia verde

Criminologia verde

Definição

Campo acadêmico inserido na criminologia e dedicado ao estudo da construção social da criminalidade ambiental, dos danos socioambientais, dos processos de vitimização ambiental e da justiça ambiental, através de perspectivas múltiplas.

Aspectos distintivos

Suas origens remontam à década de 1990, sobretudo a partir do trabalho de Lynch, quem, diante dos movimentos de justiça ambiental que emergiam no contexto norte-americano da época, propõe ao campo da criminologia radical um “esverdeamento”. O foco principal é o estudo dos danos ambientais desde uma definição de “verde” proveniente dos movimentos de justiça ambiental (movimentos ecofeministas, antirracistas e comunistas). Em razão disso também se salienta a raiz radical e crítica deste campo, pois estão implicadas na construção social do crime ambiental enquanto objeto de estudo as estruturas que atravessam a economia política do crime, por um lado, e as dinâmicas raciais, coloniais e patriarcais que envolvem o domínio do capital sobre a natureza, por outro.

Para o estudo dos danos socioambientais e dos processos de construção social do crime ambiental, é um pressuposto do campo a ampliação das fronteiras epistemológicas do crime para alcançar aquelas condutas não necessariamente definidas como tal pela legislação penal de um Estado, mas que seja suficientemente danosa a ponto de afetar o bem-estar de pessoas, animais e mesmo a possibilidade de sobrevivência de ecossistemas inteiros. Essa ampliação do objeto da criminologia não é uma novidade, tendo sido inicialmente proposto no estudo da criminalidade dos poderosos, aí incluídos os próprios Estados e empresas, decorrente da seletividade do sistema de controle penal que imuniza estruturalmente os maiores geradores de riscos e danos socioambientais.

Recentemente, perspectivas provenientes do sul global incorporaram a necessidade de estudos dos danos socioambientais a partir de uma criminologia crítica, adotando, nesse caso, uma compreensão específica sobre o lugar de fala dessas regiões marginais econômica e politicamente. Decorrem dessa abordagem estudos que reivindicam o reconhecimento das dinâmicas de migração de danos ambientais do norte ao sul global, e o transporte das tecnologias poluidoras para países que, por seu empobrecimento e enfraquecimento democrático, bem como por sua posição de inferioridade entendida desde uma perspectiva racista e colonial, têm suportado com maior profundidade e com consequências mais graves os custos dos avanços tecnológicos do norte. Além disso, esses estudos irão avançar nessa compreensão decolonial a partir da noção de divisão internacional do trabalho, com a crítica ao desenvolvimentismo e, simultaneamente, a denúncia ao aprofundamento dos países do sul na posição de provedores de commodities, com grandes custos humanos e ambientais.

Análise

Desde o surgimento como campo, a criminologia verde tem crescido em termos epistemológicos, metodológicos e teóricos, conduzindo a uma enormidade de temas de estudo focados nos danos socioambientais provocados, principalmente por grandes corporações, como, por exemplo, a contaminação da água, do ar e do solo. Estudos sobre essas contaminações geradas pela indústria química (aí incluídos, por exemplo, os pesticidas) e pela mineração; os danos causados aos animais silvestres, seja pela comercialização legal ou ilegal de espécimes, seja pela destruição de seus habitats naturais; danos causados a animais domésticos, causados pela indústria cosmética e farmacêutica, pela indústria da carne e do leite etc.; os riscos de dano provenientes da ação humana sobre o meio ambiente, sintetizados na fórmula das mudanças climáticas; danos causados pela destruição de ecossistemas, pelo desmatamento, e sua vinculação com povos indígenas e comunidades tradicionais. Em termos metodológicos, algumas novas metodologias da pesquisa empírica têm sido desenvolvidas no campo, como, por exemplo, metodologias.

Algumas das críticas operadas ao campo podem ser sintetizadas em tópicos, a seguir: 1) por mais que não existisse uma denominação de um campo da criminologia verde até o início dos anos 1990, já existiam estudos importantes em temáticas que facilmente seriam situadas nesse arcabouço teórico-conceitual e que têm sido sistematicamente desconhecidos ou negados, sobretudo em virtude de serem provenientes do sul global, e produzidos em língua não-inglesa, textos esses não lidos, portanto, por estudiosas e estudiosos do norte global; 2) algumas pesquisas situadas no campo têm realizado aproximações demasiado voltadas a uma microssociologia, incapazes de estabelecer as necessárias pontes com a economia e outros atravessamentos estruturais, como o patriarcado, a colonialidade e o racismo em suas análises, levando a uma pobreza de reflexão crítica sobre o sistema penal e aos causadores dos danos, mas a uma crítica estrutural do próprio capitalismo, do colonialismo, do patriarcalismo, do especismo e de propostas que conduzam a uma mudança nesses olhares; 3) desde o seu surgimento, identifica-se uma repetição ao se narrar a importância da abordagem verde, mas com poucas definições mais precisas sobre o campo e que justifiquem de fato a sua existência para além de outros campos como a sociologia ambiental, o ecofeminismo etc.; 4) como em outros campos da criminologia crítica, aqui também pesa uma dificuldade de enfrentamento dos danos com propostas concretas de como lidar com os conflitos socioambientais para além da atuação do próprio sistema de controle penal, dado o reconhecimento de sua deslegitimação e a inafastabilidade de uma política criminal de cunho abolicionista.

Referências bibliográficas

LYNCH, Michael J. “The greening of criminology: A perspective for the 1990s”, The Critical Criminologist, v. 2, n. 3, 1990.
NATALI, L.; BUDÓ, M. “A sensory and visual approach for comprehending environmental victimization by the asbestos industry in Casale Monferrato”, European Journal of Criminology, v. 16, n. 6, 2019, p. 708–727.
RODRÍGUEZ GOYES, David; MOL, Hanneeke; SOUTH, Nigel; BRISMAN, Avi. Introducción a la criminología verde. Bogotá: Temis, 2017.
RODRÍGUEZ GOYES D.; SOUTH, Nigel. “Green criminology before ‘green criminology’: amnesia and absences”, Critical Criminology, v. 25, n. 2, p. 165-181.
SOUTH, N.; BRISMAN, A. (eds) Routledge International Handobook of Green Criminology. London: Routledge, 2017.

Referências artísticas

Não Respire: Contém Amianto (Carlos Juliano Barros, André Campos e Caue Angeli, 2017)
Documentário

Vista de um Mato Virgem que está se Reduzindo a Carvão (Félix-Émile Taunay, 1843)
Pintura

Lira Itabirana (Carlos Drummond de Andrade, 1984)
Poesia

Marília De Nardin Budó
LattesORCID


BUDÓ, Marília de Nardin; Criminologia verde. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2020. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/criminologia-verde/35. ISBN 978-85-92712-50-1.
 

Lira Itabirana

I
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

Carlos Drummond de Andrade