Desobediência civil

Desobediência civil

Definição

Maneira não protocolar de configuração da participação civil na política, através de condutas ilegais, públicas e não violentas realizadas por pessoas que – aceitando uma possível punição imposta pelo Estado – buscam atingir a frustração de leis, decisões ou formas de governo que julgam imoral, antijurídica ou até mesmo inconstitucional.

Aspectos distintivos

A desobediência civil imprescinde de algumas características essenciais para que seja configurada. Nesse sentido, pode-se citar: a) o rompimento tradicional de participação política, tendo em vista que se busca a reformulação de normas, decisões ou políticas governamentais; b) os atos preferivelmente coletivos, observando-se que haverá uma minoria articulada contra a maioria apoiadora do status quo; c) a publicidade dos atos praticados, no sentido de que um dos principais objetivos dos desobedientes civis é a propagação de que a luta social em questão se dá contra atos imorais, injustos ou inconstitucionais, para que, assim, obtenham-se ainda mais apoiadores ao movimento; d) a não violência, evidenciando-se a grande diferenciação dos demais tipos de desobediência, pois, neste, há uma intenção de construção e evolução social e democrática, sendo esta talvez a maneira de exercer suposta a discordância dos desobedientes civis; e) a aceitação de uma possível imposição de pena, o que está diretamente ligado à crença subjetiva do desobediente de que age amparado em um senso de justiça maior que a norma positivada; e f) o objetivo de protesto contra o direito positivado, buscando-se contrariar o que há de injusto, imoral ou inconstitucional, atacando sua legalidade e legitimidade.

Ainda citando os objetivos da desobediência civil – tendo em vista que, de certa forma, também se enquadram como características desta modalidade –, encontram-se a intenção de melhoria da sociedade e a compensação de injustiças (se faz de importante destaque que o conceito de injustiça é subjetivo, sendo diferente em tempo e espaço – por exemplo, o que se mostra injusto na sociedade brasileira em 2019, pode não parecer injusto em na sociedade síria em 1980) cometidas pelo Estado. Os principais nomes que merecem destaque no âmbito da desobediência civil são: Henry David Thoreau, um verdadeiro símbolo da desobediência civil – autor da obra assim denominada – que se negou a pagar tributos cobrados pelos Estados Unidos da América, em razão de acreditar que a finalidade dada àquele dinheiro era o financiamento da escravização e da guerra contra o México, submetendo-se, assim, à prisão imposta pelo Estado; Antígona, submetida à pena capital por ter desobedecido a uma ordem do Rei que impedia qualquer pessoa de dar-lhe um enterro digno; Mahatma Gandhi, grande nome indiano que se dispôs às punições impostas em razão da sua luta contra a intolerância religiosa; e Martin Luther King, americano negro que lutou contra a segregação racial, sendo perseguido não só pelo Estado, mas também por grupos racistas que pregavam o contrário de sua ideologia.

Análise

A desobediência civil encontra relevância nas esferas jurídica, moral e política. No âmbito jurídico, não se pode falar que a desobediência civil encontra amparo para seu desenvolvimento sob a ótica contratualista; entretanto, adotando-se a ideia de defesa dos direitos humanos e, por consequência, do direito constitucional, é possível destacar o amparo e a importância jurídica desse movimento social. Na esfera moral, a desobediência civil encontra amparo principalmente no elemento subjetivo caracterizador dessa modalidade de transgressão. Ou seja, o aspecto moral encontra abrigo na motivação da desobediência civil contra normatividades que, por vezes, sob a ótica positivista, não mereceriam ser desobedecidas por seus subordinados, entretanto, moralmente, o objeto alvo da desobediência não se apresenta válido. Na seara política, não se demonstra fácil a importância e justificação, tendo em vista que em um Estado Democrático de Direito, os votantes possuem participação direta na escolha daqueles que possuem a competência legiferante, logo, seria contraditório o ato de insurgência às leis impostas. Contudo, há o entendimento de que a desobediência civil pode sim se justificar no campo político na medida em que a Democracia deve ser plena – inclusive, após os atos do Estado que causem discordância na grande massa –, aliás, mais do que isso, movimentos que surjam da desobediência da população podem, posteriormente, configurarem-se como mudanças formais no Estado (no ponto de vista político).

Referências bibliográficas

AGAPITO DOS SANTOS, Diego. "Cidadania, resistência e protesto: a desobediência civil e sua prática no Brasil", Revista Cadernos da Escola de Direito/UniBrasil, v. 1, n. 24, p. 25-37, jan/jun 2016. 
ALVES, Fernando Antonio. "Movimentos sociais, direito de resistência e normatividade: a resistência civil em conflito com a lei e a ordem nos movimentos de protesto, no âmbito do estado constitucional", Revista Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito/UFRGS, v. 9, n. 1, p. 131-171, jul/dez 2014.
ARENDT, Hannah. Crises da República. Trad. José Volkmann. São Paulo: Perspectiva, 2010. 
GROS, Frederic. Desobedecer. Trad. Celia Euvaldo. São Paulo: Ubu, 2018.
THOREAU, Henry David. A desobediência civil. Trad. José Geraldo Couto. São Paulo: Penguin Classics/Companhia das Letras, 2012.

Referências artísticas

Como o Diabo Gosta (Antônio Carlos Belchior, 1976)
Música 

Desobediência Civil (Denise Stoklos, 1997)
Peça teatral
Na peça teatral constante na Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras, Stoklos, acompanhada do cenógrafo Gringo Cardia, representa a desobediência civil vivida por Henry Thoreau. 

Hair (Milos Forman, 1979)
Filme
Um jovem recruta, prestes a iniciar sua missão na guerra do Vietnã, conhece e se torna amigo de um grupo de hippies pacifistas e, logicamente, contrários ao confronto bélico. Chegado o momento, o recruta se apresenta ao exército e, de fato, vai à guerra, que lhe custa a vida. Entretanto, no decorrer de todo o filme são evidenciados os intensos movimentos populares pacíficos como forma de se mostrarem contrários à guerra travada pelos EUA. 

Daniel Hartz Anacleto
LattesORCID


ANACLETO, Daniel Hartz. Desobediência civil. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2020. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/desobediencia-civil/64. ISBN 978-85-92712-50-1.
 

Como o Diabo Gosta

Não quero regra nem nada
Tudo tá como o diabo gosta, tá
Já tenho este peso, que me fere as costas
e não vou, eu mesmo, atar minha mão

O que transforma o velho no novo
bendito fruto do povo será
E a única forma que pode ser norma
é nenhuma regra ter
é nunca fazer nada que o mestre mandar
Sempre desobedecer
Nunca reverenciar