Definição
Direitos de os animais não-humanos possuírem valor moral por si mesmos, e não pelo benefício que possam trazer ao homem.
Aspectos distintivos
No século VI A.C., Pitágoras já falava sobre o respeito aos animais não-humanos. Fazia considerações sobre o que ele entendia por ser a transmigração de almas, pela qual era possível a alma, após permanecer certo período no império dos mortos, voltar a habitar corpos de homens ou animais. Aristóteles, por seu turno, argumentava que os animais “não estavam na mesma escala natural do homem”, enfatizando o fato de serem irracionais e colocando-os como meros instrumentos para a satisfação humana. Como a obra filosófica de Aristóteles é a base do Direito Ocidental, essa influência acaba por considerar o animal como coisa ou propriedade.
Entretanto, a consagração da superioridade humana ocorre com o filósofo René Descartes (1596-1650). Descartes cria a teoria do animal máquina, sem alma, e afirmava inexistir qualquer imoralidade na utilização de animais para os mais diferentes fins.
Já no século XVIII destaca-se o filósofo britânico Jeremy Bentham. Argumentava que a dor de um animal é real e tão relevante como a de um humano e que os animais deveriam ser respeitados e serem possuidores de direitos. E, no século XX, grandes nomes animalistas despontaram: Peter Singer (visão utilitarista); Tom Regan e Gary Francione (visão abolicionista).
No ano de 1978, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), proclamou a Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Os parâmetros sobre os direitos animais para os países membros da Organização das Nações Unidas estão elencados em quatorze artigos. Entre eles, destacam-se o direito à igualdade diante da vida, o direito à existência e ao respeito e o direito à alimentação adequada e ao repouso.
Portanto, não é exagero afirmar que a Declaração Universal dos Direitos dos Animais representou um marco na questão do Direito Animal, pois se constituiu no primeiro documento internacional a reconhecer que os animais são possuidores de direitos.
Em relação ao Brasil, o Decreto nº 24.645/1934 (com discordâncias sobre sua revogação) e o art. 32 da Lei nº 9.605/1998 são as normas gerais do sistema de proteção de direitos animais; porém, existem diversos códigos e leis de defesa animal no âmbito dos estados e municípios do país. Deve ser ressaltada a Lei nº 11.140, de 2018, que institui o Código de Direito e Bem-estar Animal do Estado da Paraíba, um dispositivo legal avançadíssimo, pois estabelece normas para a proteção, defesa e preservação dos animais vertebrados e invertebrados situados no espaço territorial desse estado.
Ainda no Brasil, a Constituição de 1988 foi a primeira Carta Magna a abordar a questão animal. Segundo o art. 225, § 1º, VII, incumbe ao Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”. O juiz federal Vicente de Paula Ataide Junior afirma que o Direito Animal no Brasil nasceu com a Constituição Federal de 1988, pois por meio desse texto normativo positivou-se, constitucionalmente, a regra da proibição da crueldade, com o consequente reconhecimento do direito fundamental animal à existência digna. Pode-se falar, portanto, em um direito fundamental pós-humanista.
Análise
O primeiro passo para que se reconheça os direitos dos animais em sua plenitude no Brasil é a sua necessária e urgente dissociação do Direito Ambiental: os animais precisam ser considerados em sua individualidade, como seres sencientes que são. Os animais possuem um status particular, uma personalidade autônoma, com capacidade de sentirem dor, medo, prazer, alegria e estresse. Em suma, são seres sensíveis, capazes de sentir e de sofrer.
Assim, o Direito Animal, com a defesa dos direitos fundamentais inerentes aos animais não-humanos, constitui-se num fundamental ramo do Direito. Os avanços são perceptíveis, porém ainda há um longo caminho a ser trilhado até que seja abandonada a visão antropocêntrica que confere aos humanos a superioridade sobre os outros seres. A obra “Direitos Animais e Literatura”, de Bianca Pazzini, tem por objeto apresentar perspectivas para a superação do especismo com consequente previsão de direitos aos animais, através de um interessante diálogo entre o Direito e a Literatura.
Devido à sua importância, a doutrina do Direito Animal se expande, contando com vários livros e publicações especializados, além de paulatina presença nos cursos de graduação e de pós-graduação das faculdades de Direito. Cabe ressaltar também o grande número de congressos, seminários, jornadas e outros eventos promovidos mundo afora, cujos objetivos são o debate e a discussão sobre o tema e a promoção das tão necessárias mudanças de paradigmas para que os direitos dos animais sejam reconhecidos como direitos fundamentais.
Não obstante a existência de legislação protetiva aos animais não-humanos, seus direitos ainda são constantemente violados. Basta assistir ao documentário Earthlings (Terráqueos), de 2005, que aborda o sofrimento dos animais explorados pelos seres humanos para alimentação, vestuário, entretenimento e pesquisa médica. O tratamento cruel a eles dispensado é o retrato fiel da constante violação de todos os seus direitos.
Entretanto, não basta (apesar de indispensável) um cabedal de leis que assegurem esses direitos: é necessário que haja conscientização e sensibilização de que os animais são seres sencientes e detentores de direitos, entre eles o de gozar de uma existência digna, livre de crueldades.
Referências bibliográficas
ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. “Introdução ao Direito Animal brasileiro”, Revista Brasileira de Direito Animal, v. 13, n. 3, set./dez. 2018, p. 48-76.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988.
GOMES, Rosângela M. A.; CHALFUN, Mery. “Direito dos animais: um novo e fundamental direito”, In CONGRESSO NACIONAL DO CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO, 15, 2006, Manaus. Anais [...]. Manaus: CONPEDI, 2006. p. 847-866.
PARAÍBA. Lei nº 11.140, de 8 de junho de 2018. Institui o Código de Direito e Bem-estar animal do Estado da Paraíba. João Pessoa: Assembleia Legislativa, 2018.
UNESCO. Declaração Universal dos Direitos dos Animais. 27 jan. 1978.
Referências artísticas
Earthlings (Shaun Monson, 2005)
Documentário
Direitos Animais e Literatura (Bianca Pazzini, 2017)
Livro
Gisele Kronhardt Scheffer
Lattes | ORCID
SCHEFFER, Gisele Kronhardt. Direito dos animais. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2020. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/direitos-dos-animais/39. ISBN 978-85-92712-50-1.