Definição
Condutas violentas, violadoras, desumanizadoras e estigmatizantes desencadeadas por pensamentos discriminatórios contra indivíduos ou coletivos que não estão, ou aparentam não estar, acordados com a heterossexualidade e a heteronormatividade vigente.
Aspectos distintivos
A homofobia é conceituada por uma série de atitudes antagônicas expressas ou silenciosas ao comportamento ou aos aspectos culturais ou sociais de uma entidade ou, mais comumente, de pessoas que não estão acordadas com a heterossexualidade ou com os padrões da heteronormatividade vigente. Logo, a homofobia se caracteriza como um preconceito que, embora seja enraizado na discriminação contra pessoas não-heterossexuais (leia-se homossexuais, bissexuais, pansexuais e afins), não é limitado exclusivamente à violência ativa para com estes indivíduos. Tal construto é evocado quando, por exemplo, sujeitos heterossexuais, por estarem associados a causas presentes dentro da Comunidade LGBT, ou então usarem adereços que socialmente e em tese não condizem com o que se espera de seu gênero (e consequentemente, de sua sexualidade), são passíveis de sofrerem preconceito, por vezes resultando em violências físicas.
Dada a natureza multifacetada da homofobia, esta pode ser (mesmo que em uma tentativa imprecisa, mas ainda útil para delimitar suas possibilidades) dividida em duas classes: a homofobia ativa e a homofobia passiva.
Com relação à homofobia ativa, o produto violento deste preconceito é culminado diretamente em ações de agressões físicas, psicológicas, morais e sexuais contra as vítimas, e tendo sua maior expressão nas primeiras e nas segundas formas referenciadas. Violências tipificadas nos delitos presentes no Código Penal (embora sem a presença de qualificadoras, atenuantes ou majorastes próprias), ilustram-se através de crimes como: homicídio, lesão corporal, estupro, injúria e maus-tratos.
Nestes casos de homofobia ativa, esta apenas se consuma quando houver conexão entre o motivo do delito estar associado diretamente com a sexualidade que o criminoso presume, ou por razões próprias, decidiu vincular à vítima. Tal qual, nem toda manifestação de pensamento que não “favoreça” de alguma forma a homossexualidade ou sua defesa é enquadrada como homofobia, tendo em vista que não necessariamente é um ataque contra um indivíduo e da mesma forma, pode não configurar discurso de ódio.
Entretanto, embora a imagem da homofobia ativa seja costumeiramente alavancada a atos de violências contra indivíduos isolados, como casos onde pais que agridem filhos por conta de suas orientações sexuais, ações de violência explícita e deliberantes (que caracterizam essa esfera de preconceito) podem atingir coletivos, entidades, instituições, partidos políticos e demais congregações públicas e privadas.
Dito isso, deve-se ter em mente que: (i) a homofobia no Brasil (assim como em diversos outros países, especialmente no Ocidente) não é tipificada como o crime no ordenamento jurídico no país, embora exista um crescente movimento que busca reivindicar maiores direitos e garantias para a Comunidade LGBT e aqueles que ela engloba; (ii) em 2019, por decisão do Supremo Tribunal Federal, a homofobia, assim como outros temas que são expressos mediante analogias, foi abarcada dentro da Lei n° 7.716/89, equivalendo-a ao racismo.
Por outro lado, a homofobia passiva está intimamente relacionada com um conceito que inúmeras sociedades compactuam, seja por cultura, crença, ou por qualquer outra razão: o ideal do homossexual como alguém sub-humano.
Inicia-se esta forma de preconceito com a construção da heternormatividade como uma regra tácita (e em determinados Estados e núcleos familiares, uma regra expressa, onde a homossexualidade é combatida e/ou criminalizada) esperada na conduta pública e privada do comportamento. A partir disso, ou seja, deste imperativo que naturaliza a heterossexualidade, a homossexualidade (bem como as demais orientações sexuais existentes) torna-se um produto marginal, periférico, e quase que de modo imediato, estigmatizado, gerando, conforme referenciado por Clara Masiero, uma “hierarquia de sexualidades”. Assim, surge um pensamento estigmatizante que irá, além de pré-determinar os comportamentos do sujeito homossexual, e tudo que o circula, como o estereótipo que o relaciona com o HIV/AIDS, também proporcionar um ambiente onde heterossexuais crescerão entendendo os demais grupos com outras orientações sexuais como não-naturais e desarmoniosos para com o ambiente no qual estão inseridos. Desde já, o homossexual vitimado pela homofobia passiva amadurecerá em um bioma onde possivelmente não é tratado como igual pelos seus pares, seja ele sexualmente assumido ou não. Vale-se da mesma regra para homens e mulheres que crescem sem performar arquétipos esperados do seus gênero, e por consequência, são vítimas do mesmo sistema.
É imperioso ressaltar duas coisas: (i) a relação da sociedade para com o que se entende por homossexualidade, bem como o comportamento considerado desviante do heterossexual, possui uma trajetória sinuosa e não-continua, haja vista a tolerância que para tal orientação sexual foi diferente em inúmeros momentos históricos, passando desde “pecado” até patologia, e mais recentemente (ao menos em alguns países), sendo reconhecida como algo inerente e legítimo de cada indivíduo. Tanto no imaginário popular do Ocidente, quanto no do Oriente moderno, a homofobia é interligada com heranças (e presenças) religiosas abraâmicas, constatadas através do cristianismo, islamismo e judaísmo. Naturalmente, Estados com ênfases em outras crenças, ou até mesmo sem grandes vínculos entre a religião e a cultura, também possuem sua parcela de homofobia, embora os motivos sejam diversos entre si. Especialmente no Ocidente, é comum a ideia de religiões cristãs estarem associadas com condutas homofóbicas, entretanto, mesmo países não bem relacionados com o cristianismo não fogem do escopo homofóbico, é o caso da China, que não promove maiores tolerâncias para a diversidade sexual ou de fé. Igualmente, inúmeros países orientais promovem a criminalidade da homossexualidade, e em alguns casos, tendo a pena de morte como punição; (ii) embora a homossexualidade esteja muitas vezes associada com a transexualidade, seja em pautas militantes, reinvindicações legislativas, ou em mera confusão de termos, estas não devem ser confundidas, tendo em vistas que a primeira trata de orientação sexual, enquanto a segunda tange a identidade de gênero.
Análise
Profundamente enraizada no Brasil, mesmo que sem garantias legais próprias, e com passos vagarosos e controversos do Legislativo, como por exemplo a instauração da PL 5167/09 que busca anular e invalidar a possibilidade da realização do casamento e/ou da união estável entre indivíduos do mesmo sexo, o país apresenta cada vez maior sensibilidade para a Comunidade LGBT. É o caso de, no ano de 2022, começarem a ser registrados no Anuário de Segurança Pública os dados relativos a crimes homofóbicos, de modo isolado das infrações com teores racistas (tendo em vista a analogia proclamada através do STF). Neste mesmo ano (2022), houve 448 casos de delitos de natureza homofóbica e transfóbica no Brasil, uma crescente alarmante, se compararmos a 2021 e seus 326 casos. Frente a estas estatísticas, é importante ter ciência de que: (i) nem todos os estados brasileiros disponibilizaram dados para o índice; (ii) existe uma grande subnotificação por parte das vítimas para com as autoridades competentes, tendo em vista o descaso e estigmas muito presentes na sociedade e nas instituições brasileiras. Ainda, interessante ressaltar que, os estados que mais geram homicídios em decorrência da homofobia no Brasil são o Ceará, São Paulo e Pernambuco. Pertinente também, comentar que o pico dos homicídios desde o início do século foi em 2017, contabilizando o valor expressivo de 445 mortes.
Conforme evidenciado, ainda hoje no Brasil e no Mundo há um abismo entre a sociedade, a legislação e a comunidade LGBT. Se, por um lado, o STF atuou por mais de uma vez em prol de garantias legais para a população LGBT, por outro, isso é uma clara evidência da constante inércia do Poder Legislativo para tratar das mesmas questões. Não há previsões constitucionais quanto à discriminação por decorrência da orientação sexual, assim como não há normativas quanto ao casamento homoafetivo, ou a união estável. E, quando há (situação que só ocorreu mediante decisão jurisprudencial), em nome de suposta justificativa democrática, ainda há parlamentares que buscam derrubar tais conquistas. Salvo esparsas leis estaduais e municipais, a construção dos direitos da comunidade LGBT, e por consequência, suas regulamentações, são frutos de analogia.
Existe vácuo de segurança que deixa tais indivíduos à mercê da vulnerabilidade social e da falta de segurança pública, resultando em muitas vítimas sofrendo lesões e traumas irreparáveis, e com receio de se utilizar dos serviços públicos (como a polícia), tendo em vista a violência que já sofrem pelo Estado e o descaso para com seus problemas. Da mesma forma, há uma distância considerável entre as garantias necessárias para afirmar a segurança, a dignidade e a qualidade de vida da população LGBT e o que a sociedade entende como sendo ações positivas e triviais para afirmar tais garantias que apenas em tese (e graças a uma maior tolerância para com o fenômeno homossexual com o atravessar do século XX para o XXI) são já existentes.
Embora a relação quanto ao combate da homofobia, sua tolerância e sua visibilidade como uma questão que ultrapassa o tempo e as fronteiras humanas tenham evoluído, questionar estas problemáticas é também verificar a necessidade da reafirmação da democracia que deve ser garantida a todo cidadão.
Referências bibliográficas
CHAKRABORTI, Neil; GARLAND, Jon. Hate crime: impact, causes and responses. Thousand Oaks: SAGE, 2009.
FACCHINI, Regina. Sopa de letrinhas?: movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 1990. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.
FACCHINI, Regina. Na trilha do arco-íris: dmovimento homossexual ao LGBT. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009.
FONE, Byrne. Homophobia: a history. Nova York: Metropolitan Books, 2000.
MASIERO, Clara Moura. O movimento LGBT e a homofobia: novas perspectivas de políticas sociais e criminais. Porto Alegre: Criação Humana, 2014.
Referências artísticas
O Segredo de Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005)
Filme
Ganhadora de três óscares, a história percorre a vida de dois pastores de ovelhas em meados dos anos 60, situada no mesmo país que desenvolveu o filme. A trama é pontuada pela homofobia interna que os personagens carregam dentro de si, e a que eles possuem consciência que estava presente na sociedade dos Estados Unidos de outrora.
Take me to Church (Hozier, 2013)
Música
Em seu clipe original, é possível identificar um casal de homens homossexuais fugindo de uma gangue agressora, em meio ao seu romance e movimentos revolucionários que compõem o fundo do vídeo.
The Boys in the Band (Joe Mantello, 2020)
Filme
Releitura de uma peça teatral de mesmo nome. The Boys in the Band apresenta uma narrativa onde quase todo o elenco de personagens é homossexual (com exceção de um único membro, onde a instigadora dúvida percorre o filme até culminar em seu fim). Dentre os membros da festa de aniversário, que é o cenário do filme, cada um deles expõem os preconceitos que sofrem ao seu modo, trazendo questões sobre racismo, religião e aporofobia.
Breno Corrêa Vasconcelos
Lattes | ORCID
VASCONCELOS, Breno Corrêa. Homofobia. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); ABREU, Carlos A F de; RIBAS, Eduarda Rodrigues (orgs.). Dicionário Criminológico. 4. ed. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2023. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/homofobia/134. ISBN 978-65-87298-15-3.