Definição
Forma de violação da dignidade e da liberdade sexual em que a satisfação da lascívia é buscada pelo indivíduo sem o consentimento da vítima, rompendo com a segurança do espaço físico e social desta, se não resultar em fato mais grave.
Aspectos distintivos
A importunação sexual afeta principalmente a parcela feminina da população, levando as mulheres a adotarem comportamentos de proteção, como cuidar as roupas que irão usar, as ruas que vão passar, se vão usar o transporte público, entre outros hábitos que acabam limitando a sua liberdade.
Criada num contexto emergencial, a partir da exposição midiática do caso de um homem que ejaculou em uma jovem dentro do ônibus em São Paulo, a Lei nº 13.718/2018, derivada do Projeto de Lei nº 5.452/2016, criminalizou o ato de importunação sexual nos seguintes termos: "Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro". A sanção prevista foi de 1 a 5 anos de reclusão, "se o ato não constitui crime mais grave" (o que tornou o tipo penal expressamente subsidiário). A nova lei também criminalizou a divulgação de cena de estupro e a denominada "pornografia de vingança", e determinou que vários crimes contra a dignidade sexual passariam a ser de ação penal pública incondicionada, criou majorantes e revogou o art. 61, da Lei de Contravenções Penais.
Antes dessa lei, a conduta de importunação sexual encontrava-se tipificada como contravenção penal no art. 61, do Decreto nº 3.688/1941: "Importunar alguém, em local público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor" (onde a pena prevista era de multa), e a outra possibilidade de adequação típica era o art. 213, do Código Penal (crime de estupro). Por anos, estudiosos e ativistas criticaram a desproporção das possibilidades jurídicas de sanção, evidenciando tanto o tratamento aquém do adequado (contravenção) quanto a resposta punitiva desproporcional para o caso (crime de estupro).
Análise
A criação de leis deriva de demandas sociais e políticas, e – em tese – busca apaziguar ansiedades e proporcionar segurança à comunidade. É possível, todavia, identificar que algumas leis, especialmente em contextos emergenciais, são elaboradas sem uma análise profunda do fato e das consequências de sua aplicação. Isso decorre da necessidade do setor legislativo de produzir respostas imediatas aos acontecimentos sociais, o que tem levado a adoções de políticas penais punitivistas de encarceramento, satisfazendo simbolicamente os anseios sociais de vingança.
Ainda que tenha resolvido a problemática polaridade das sanções possíveis para essa conduta, a criminalização da importunação sexual revigorou algumas questões que merecem ser analisadas. Em primeiro lugar, num aspecto social, a resposta pública ao fato que desencadeou todo o processo legislativo nos autoriza a refletir sobre o recurso imediato ao direito penal para resolver questões que poderiam ser tratadas por outras esferas do direito e inclusive fora dele (políticas públicas de redução da violência de gênero, como a educação sexual nas escolas). Um segundo ponto, de ordem político-criminal, exige que questionemos a real eficácia da medida penal, ou seja, se o novo dispositivo conta com apoio institucional e social para ultrapassar o mero efeito simbólico da criminalização. Terceiro, no âmbito dogmático, o novo tipo penal, sem tratar expressamente do tema, inaugurou a controvérsia sobre a aplicação do crime de importunação sexual quando a vítima é penalmente vulnerável (art. 217-A). Isso ainda será objeto de disputa dos intérpretes do direito penal, mas acreditamos desde já que os crimes previstos nesse capítulo (crimes contra a liberdade sexual), como o caso da importunação sexual, adéquam-se somente às situações em que a vítima tem capacidade de autodeterminação; nesse sentido, a importunação sexual dessas pessoas especialmente protegidas caracterizaria estupro de vulnerável. Por fim, com a determinação de que este e outros crimes sexuais são de ação penal pública incondicionada, é válido refletir se a subtração do poder de decisão da vítima quanto o início ou não da persecução penal (que passa a ser obrigatória, devendo ser iniciada pelo Ministério Público). Não é demais lembrar do problema de revitimização com o qual as vítimas têm de lidar, quando se deparam com resistências sociais e institucionais, tal como agentes despreparados para oferecer o tratamento adequado às vítimas.
Na tentativa de ampliar a proteção às vítimas de importunação sexual, pode o legislador ter utilizado um instrumento (penal) ineficaz para a resolução de um problema que possui raízes profundas na estrutura de valores da sociedade brasileira e também contribuído por gerar novos processos de violência (revitimização da mulher, aprisionamento do agressor).
Referências bibliográficas
BUTLER, Judith. Problemas de gênero. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
CIRINO, Samia; CASTRO, Bruna. "O corpo-objeto da mulher: reificação da lógica opressora das relações de gênero no crime de importunação sexual", Argumenta Journal Law, n. 30, 2019.
LISPECTOR, Clarice. Observações sobre o fundamento direito de punir. A Época: Órgão oficial de corpo discente da Faculdade Nacional de Direito, ano XXXIV, n. 2. Rio de Janeiro, 1941.
LOPES JR., Aury; ROSA, Alexandre Morais da; BRAMBILLA, Marília; GEHLEN, Carla Gehlen. "O que significa importunação sexual segundo a Lei 13.781/18?", Consultor Jurídico, 28 set 2018. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-set-28/limite-penal-significa-importunacao-sexual-segundo-lei-1378118. Acesso em 05 ago 2021.
MENDES, Soraia da Rosa.Criminologia feminista: novos paradigmas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017
Referências artísticas
Sex Education, T2E3 (Jamie Campbell et al., 2019-)
Série
Rhozângela Ribeiro Pires
Lattes | ORCID
PIRES, Rhozângela Ribeiro. Importunação sexual. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. 3. ed. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2022. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/importunacao-sexual/106. ISBN 978-65-87298-14-6.