Psicopatia (em neuropsicologia)

Psicopatia (em neuropsicologia)

Definição

Especificador do Transtorno de Personalidade Antissocial que, para a literatura neuropsicológica, está relacionado a anormalidades estruturais e funcionais do cérebro. 

Aspectos distintivos

O diagnóstico psiquiátrico é construído após uma longa jornada de estudos nosólogicos e nosográficos que abrangem as áreas da saúde e as correlacionadas – englobando entendimentos produzidos pelas ciências jurídicas e sociais, tais como os criminológicos, sociológicos e antropológicos. As áreas da saúde correspondem majoritariamente aos conhecimentos produzidos pela psicopatologia e neuropsicologia – interface da psicologia e neurologia que investiga o sistema nervoso, comportamento humano e processos psicológicos. A psicopatologia, por sua vez, está no campo da semiologia médica e procura sinais e sintomas que indiquem a existência de transtornos mentais. Tal conhecimento, quando aliado aos elaborados pela neuropsicologia e aos resultados obtidos em exames de neuroimagem – como a Ressonância Magnética funcional (fMRI) e tomografia funcional por emissão de pósitrons (PET-CT) – investiga a existência de sinais que poderão compor o diagnóstico de patologias ou transtornos. Esses exames mostram um modelo fisiológico onde o cérebro é separado em três partes: cérebro, cerebelo e tronco cerebral (que contém o sistema nervoso). Visto de cima, o cérebro pode ser dividido em dois hemisférios que se relacionam diretamente: esquerdo e direito. O esquerdo é composto pelos lobos frontal e temporal, e o direito pelos lobos parietal e occipital. Ambos operam como se fossem uma caixa que contém os instrumentos essenciais para seu funcionamento.

Os estudos de Del-Ben apontam que o distúrbio da psicopatia advém de uma disfunção no circuito integrado pelo córtex pré-frontal ventromedial e somatossensorial direito, a amígdala e a ínsula. O primeiro é responsável pelo raciocínio social do indivíduo e as tomadas de decisões; o segundo nos ensina a empatia e a dissimulação; a terceira se encarrega dos julgamentos sociais que fazemos; e a quarta nos fornece respostas autonômicas. Havendo um funcionamento deficitário desse intrincado sistema, o indivíduo sofrerá alterações na sua percepção de medo, ansiedade e controle da agressividade.

Nos critérios diagnósticos do DSM-5-TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição), prevalece a análise dos aspectos comportamentais, não sendo prioridade aqueles relacionados à personalidade. O Manual, então, reconhece os pontos fracos da abordagem diagnóstica atual (Seção II) e apresenta um modelo alternativo (Seção III): este considera para o diagnóstico os prejuízos no funcionamento da personalidade (Critério A) e os traços de personalidade patológicos (Critério B), assim como introduz o especificador de psicopatia. Logo, o indivíduo pode ser diagnosticado com o Transtorno de Personalidade Antissocial com características psicopáticas.

Por outro lado, Robert Hare, com outra interpretação sobre a psicopatia, criou em 1991 o Psycopathy Checklist Revised (PCL-R), também conhecido como "Escala Hare", composto por 20 itens, com 3 respostas possíveis: não se aplica (0 ponto), se aplica um pouco (1 ponto) e definitivamente se aplica (2 pontos). Somando os pontos para cada um dos 20 itens, o indivíduo que alcançar 30 pontos ou mais possui probabilidade de ser um psicopata. A escala Hare foi traduzida e admitida no Brasil apenas em 2000.

Análise

Com base nos argumentos apresentados, manifesta-se uma dupla inadequação nos seguintes campos:

a) Neuropsicológico: A ênfase clínica é importante para o estudo forense e de investigação do sujeito portador de características psicopáticas, pois exclui uma longa influência de determinismo e segregação que desconsideram os conhecimentos produzidos por ciências importantes, assim como mostra que cada sujeito possui uma condição completamente individual, vinda diretamente de interações do próprio corpo humano com o ambiente – sem a discussão de que um é mais importante que o outro. Observando determinados grupos sociais, observamos como sujeitos negligenciados podem sofrer com transformações cognitivas como consequência de sua realidade. Desse modo, não se afasta e nem se mascara a necessidade de que mais estudos neuropsicológicos, tanto teóricos como clínicos sejam desenvolvidos, visto a impossibilidade de um consenso – considerando a complexidade do objeto de estudo – e a quantidade, tal como a diversidade das teorias até então desenvolvidas. 

b) Jurídico: A discrepância do tema inquieta a área jurídica penal, uma vez que o art. 26 do Código Penal afirma que doentes mentais são inimputáveis, porém, se exige a incapacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar de acordo com esse entendimento. No entanto, o portador dos traços psicopáticos é caracterizado como indivíduo imputável, considerando que não perde a capacidade de compreender o caráter ilícito de determinado comportamento transgressor, mas, apresenta incapacidade em controlá-lo. Portanto, para a lei, o psicopata tem total consciência da leviandade.

Contribuindo com a perspectiva jurídica, o DSM apresenta que a falta de empatia, autoapreciação inflada e charme superficial são aspectos que têm sido comumente incluídos em concepções tradicionais da psicopatia e que podem ser particularmente característicos do transtorno, sendo mais preditivos de recidiva em prisões ou ambientes forenses, onde atos criminosos, delinquentes ou agressivos tendem a ser inespecíficos. É válido ressaltar que a redação do art. 26 é datada em 1984, e que só depois desse período os estudos sobre a psicopatia começaram notoriamente a serem disseminados pelo país. Portanto, é evidente a necessidade de mais estudos a respeito do entendimento de responsabilização desses indivíduos para que o ordenamento jurídico-penal consiga estabelecer a punição adequada às suas condutas transgressoras.

Referências bibliográficas

ALCÁZAR-CÓRCOLES, M.A.; VERDEJO-GARCÍA, A.; BOUSO-SAIZ, J. C. La neuropsicología forense ante el reto de la relación entre cognición y emoción en la psicopatía, Rev. Neurol., v. 47, n. 11, 2008, p. 607-612.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5-TR. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2023.
DEL-BEN, C. M. Neurobiologia do transtorno de personalidade anti-social, Archives of Clinical Psychiatry, v. 32, n. 1, 2005.
FINGER, E.C.; MARSH, A.A.; MITCHELL, D.G.; REID, M.E.; SIMS, C.; BUDHANI, S.; KOSSON, D.S.; CHEN, G.; TOWBIN, K.E.; LEIBENLUFT, E.; PINE, D.S.; BLAIR, J. R. Abnormal ventromedial prefrontal cortex function in children with psychopathic traits during reversal learning, Arch Gen Psychiatry, v. 65, n. 5, 2008, p. 586-594.

Referências artísticas

Capítulo 4, Versículo 3 (Racionais MC’s, 1994)
Música
O trecho cantado por Edi Rock, partindo de interpretação livre, realiza uma crítica à longa mistificação do “nascimento” de um psicopata, repassando que tais características podem ser manifestas através do cotidiano de uma sociedade injusta e desigual. Por outro lado, tal ponto também atua como uma crítica à forma como tal transtorno é tratado com irresponsabilidade no meio em que vivemos, sendo constantemente relatado erroneamente através da linguagem popular e midiática.

Quatro minutos se passaram e ninguém viu / O monstro que nasceu em algum lugar do Brasil / Talvez o mano que trampa debaixo do carro sujo de óleo / Que enquadra o carro forte na febre com sangue nos olhos / O mano que entrega envelope o dia inteiro no sol / Ou o que vende chocolate de farol em farol / Talvez o cara que defende o pobre no tribunal Ou que procura vida nova na condicional

American Horror Story - 5ª Temporada (Ryan Murphy e Brad Falchuk, 2015-2016)
Série
Inspirado pelo conhecido serial killer estadunidense do século XIX, H.H. Holmes, a série apresenta James March, um fantasma que ainda é motivado por obsessões, assassinatos, ganancia e ociosidade. Como esperado em caricaturas de indivíduos com características psicopáticas, James se excita apenas por atos que envolvam a punitividade emocional, tal como satisfaz o seu desejo sexual durante a realização de matanças e humilhando terceiros.

Bruna Carolina Silva
Lattes | ORCID


SILVA, Bruna Carolina. Psicopatia (em neuropsicologia). In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); ABREU, Carlos A F de; RIBAS, Eduarda Rodrigues (orgs.). Dicionário Criminológico. 4. ed. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2023. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/psicopatia-em-neuropsicologia/130. ISBN 978-65-87298-15-3.