Definição
Mecanismo de defesa psicológico que consiste na criação de barreira de proteção à psique, decorrente de estresse físico e emocional extremo que faz com que a vítima desenvolva formas de afeto pela pessoa agressora.
Aspectos distintivos
O assalto ao Banco de Kreditbanken, liderado por Jan-Erick Olsson na Suécia em 1973, constituiu marco para os estudos da criminologia e psicologia. Os assaltantes fizeram quatro reféns e exigiram a libertação de um ex-companheiro de cela de Olsson, Clark Olofsson, para participar do crime em andamento. Os reféns foram mantidos em cativeiro por seis dias e submetidos a violências físicas e psicológicas; inesperadamente, alguns deles passaram a desenvolver laços afetivos com seus algozes, tendo Janne, uma dentre os aprisionados, se relacionado amorosamente com Clark Olofsson.
A alcunha Síndrome de Norrmalmstorg, assim denominada em referência à praça onde aconteceu o assalto, ficou posteriormente conhecida como Síndrome de Estocolmo, condição psicológica específica proposta pelo psiquiatra e criminologista Nils Bejerot a partir da afirmação de que qualquer pessoa que vivencie situação extrema e crítica, onde a liberdade e vida ficam completamente à mercê do agressor, como no caso apresentado, pode ficar sujeita a um fenômeno psicológico que possibilita o desenvolvimento de sentimentos positivos ou de identificação com relação aos agressores, e de sentimentos negativos ou de resistência em cooperar com a polícia e outras autoridades.
Análise
Primeiramente, críticas acerca da condição adquirem relevância pois a denominada "síndrome" não é mencionada em manuais nosológicos de referência sendo, propriamente, reconhecida como uma denominação de senso comum, dado que quadros sindrômicos são descritos por um conjunto de sinais e sintomas que não podem ser atribuídos a uma causa específica. Desse modo, conforme estudos acerca da condição adquiriram importância, permitindo questionar e olhar criticamente para a romantização de eventos que culminam na normalização de outros tipos de violência, o indiscriminado uso da nomenclatura da "síndrome" passou a ser observado, considerando o seu potencial de gerar influências socialmente negativas.
Segundo, corroborando com o anunciado acima, é evidente que a utilização do termo na mídia e em seus mais variados veículos de comunicação tem acontecido de maneira estratégica e generalizadora, encobrindo, consequentemente, situações de abuso e violência. Tal quadro sindrômico possui considerável grau de gravidade, contudo, tem sido utilizado erroneamente, de forma a justificar e tornar cotidiana a permanência da vítima sob a situação de agressão.
Para fins de exemplificação, é possível observar a romantização e a normalização dos acontecidos em produções televisivas de grande sucesso, como na série La Casa de Papel e nos filmes V de Vingança e 365 Dias, em que as personagens principais não reconhecem que se encontram sob situações de violência, demonstrando que os atos vivenciados não passam de ocorrências plenamente normais, mascarando as desumanas realidades e transmitindo aos telespectadores a ideia de perpetuação de violências perdoáveis. Em mesmo sentido, destaca-se também a obra de Dee L. R. Graham, em que a autora realiza uma associação entre a violência doméstica e a síndrome de Estocolmo como forma de racionalizar a mulher violentada em relação à permanência e convivência com seu agressor.
Nesse contexto, a insurgência contemporânea do quadro retira a gravidade que ele possui e reforça a ideia de um rótulo taxativo, responsável por construir vítimas e retirar, através do silenciamento, a importância de suas realidades, despolitizando os debates necessários acerca das violências invisibilizadas.
Não se pretendeu cunhar esta análise para desmerecer a gravidade que a condição apresentada possui, mas sim trazer criticamente a utilização de seu pretexto como modo de controle social. Cria-se uma distorção da realidade que coloca de um lado a pessoa agressora como benfeitora, e do outro, a violência como um lastro aceitável.
Referências bibliográficas
ADORJAN, Michael et al. Stockholm syndrome as Vernacular resource, The Sociological Quarterly, v. 53, n. 3, 2012, p. 454-474.
GRAHAM, Dee L. R.; RAWLINGS, Edna I.; RIGSBY, Roberta K. Amar para sobreviver: mulheres e a Síndrome de Estocolmo. São Paulo: Editora Cassandra, 2021.
RIZO-MARTINEZ, Lucía Ester. The Stockholm syndrome: a systematic review, Clínica y Salud, v. 29, n. 2, 2018, p. 81-88.
SAMPSON, E. L. et al. Stockholm syndrome: psychiatric diagnosis or urban myth?, Acta Psychiatr Scand 2007, p. 1-8.
Referências artísticas
V for Vendetta (James McTeigue. 2006)
Filme
A narrativa se inicia com o episódio de salvamento de uma mulher em situação de perigo. Todavia, em que pese a aparência irrisória do salvamento iminente, o homem que a salvou acaba por sequestrá-la e mantê-la em cativeiro. Nesse período, a vítima desenvolve formas de afeto por seu captor.
La Casa de Papel (Álex Pina, 2017-2021)
Série
Relata um assalto à Casa da Moeda da Espanha, coordenado e desenvolvido por um grupo de assaltantes que estuda e arquiteta o crime de maneira astuciosa, fazendo, na ocasião, reféns. Nesse contexto, uma das vítimas (Estocolmo), dado tempo em cárcere e maior proximidade com um dos criminosos (Denver), acaba por desenvolver com ele uma relação de afeto, retratada de maneira romântica.
Clark (Jonas Åkerlund, 2022)
Série
Conta a história de Clark Olofsson. O contexto da série se passa em Norrmalmstorg e narra o episódio que culminou no assalto ao Banco de Kreditbanken em 1973, onde uma relação de afeto com uma das reféns é desenvolvida. Retratada de forma cômica, a história do assaltante levou o psicólogo e criminologista Nils Bejerot a estudar e classificar o tema como uma síndrome que acarreta danos psicológicos.
Gabriela de Oliveira Jardim
Lattes | ORCID
JARDIM, Gabriela de Oliveira. Síndrome de Estocolmo. In: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); ABREU, Carlos A F de; RIBAS, Eduarda Rodrigues (orgs.). Dicionário Criminológico. 4. ed. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2023. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/sindrome-de-estocolmo/129. ISBN 978-65-87298-15-3.