Stealthing

Stealthing

Definição

Ato de fraudar a relação sexual, mediante a retirada do preservativo de modo furtivo, sem o conhecimento ou consentimento da vítima.

Aspectos distintivos

Stealthing origina-se da palavra stealth, que em inglês significa oculto, furtivo. A identificação do termo para com a prática de retirada do preservativo, em meio à relação sexual, sem que a vítima consinta ou ao menos tenha conhecimento, originou-se em estudos feitos pela Universidade de Yale, ainda em 2017, que identificaram a existência de debates sobre o assunto em fóruns na internet. Esses fóruns não foram criados para discutir criticamente o fenômeno ou para alertar para as consequências e os danos (gravidez não planejada, transmissão de diversas DSTs, além de consequências psicológicas oriundas deste abuso) que podem decorrer da prática, mas para comentar as formas mais "furtivas" de praticá-la.

Os Estados Unidos (no estado da Califórnia) e também a Austrália consideram o stealthing uma violação civil, passível de indenização apenas na esfera cível. Em corrente contrária ao estabelecido pela justiça estadunidense e a australiana, a defensora dos direitos civis Alexandra Brodsky considera o stealthing como "um quase estupro", pois não há, em regra, violência física ou ameaça iminente. Por outro lado, a OPAS/OMS considera também "violência contra a mulher" a impossibilidade da manutenção da relação sexual segura dentro dos limites predispostos à sua prática. No Brasil ainda não se percebe uma discussão relevante sobre o tema.

A prática do stealthing também pode ser considerada uma forma de violência de gênero. Segundo Marlene Strey, a expressão "violência de gênero" é aquela que incide sobre as pessoas em razão do gênero ao qual pertencem, além da relação de poder intrapessoal. O corpo da mulher, sua vontade, liberdade, dignidade e integridade sexual por muitos anos foram, e ainda são, considerados sujeitos à vontade do homem.

Análise

Ao fazermos a análise do Código Penal brasileiro e também ao levar em consideração a concepção tomada por Brodsky, o stealthing, no Brasil, não pode ser imediatamente considerado estupro. Isso porque a redação do art. 213 deixa claro que, para uma conduta ser considerada estupro, o constrangimento para a prática sexual deve ser feito por meio de violência ou grave ameaça. Nesse caso, ainda que haja o constrangimento, sem uma dessas formas de execução presentes, seria equivocado comparar dogmaticamente stealthing com estupro. As poucas e recentes discussões dogmáticas apontam, então, como possibilidades de adequações típicas os crimes de: disseminação de doença venérea (art. 130), perigo de contágio de moléstia grave (art. 131) ou violação sexual mediante fraude (art. 215).

Mas, vale ressaltar aqui que o ponto principal do debate sobre stealthing talvez não seja a melhor forma de criminalizá-lo. O ponto nevrálgico dessa discussão é a conscientização de que esse tipo de conduta caracteriza uma violência contra a liberdade sexual.

Referências bibliográficas

ARAÚJO, Bruna Conceição Ximenes de. "Stealthing": Violência de Gênero Contra a Mulher e Suas Possíveis Adequações Típicas na República Federativa do Brasil. Portal Âmbito Jurídico. n. 185 (2019). São Paulo: 04 jul. 2019. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/stealthing-violencia-de-genero-contra-a-mulher-e-suas-possiveis-adequacoes-tipicas-na-republica-federativa-do-brasil/. Acesso em: 08 mar. 2022.
BARRUCHO, Luís. Prática de retirar camisinha sem consentimento no sexo gera debate sobre violência sexual. Portal BBC News Brasil. São Paulo: 01 mai. 2017. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-39747446. Acesso em: 27 dez. 2021.
BRODSKY, Alexandra. "Rape-Adjacent": Imagining Legal Responses to Nonconsensual Condom Removal. Columbia Journal of Gender and Law. v. 32. n. 2 (2017). New York: 20 abr. 2017. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2954726. Acesso em: 08 mar. 2022.

Referências artísticas

I May Destroy You, T1E4 (Sam Miller e Michaela Coel, 2020)
Série
I May Destroy You foca em conscientizar quem está assistindo sobre o que é um estupro. Além disso, a série consegue abordar com franqueza o tabu que são os abusos sexuais. Ao longo da jornada de Arabella pelo seu trauma, vemos uma mulher que se reafirma e interioriza suas dores.

Júlia Foppa de Oliveira
Lattes | ORCID


OLIVEIRA, Julia Foppa de. Stealthing. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. 3. ed. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2022. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/stealthing/113. ISBN 978-65-87298-14-6.