Financeirização

Financeirização

Definição

Estágio do capitalismo caracterizado pela geração de riqueza improdutiva, o virtual crescimento financeiro especulativo e pela ausência dos donos do capital no processo produtivo.

Aspectos Distintivos

A financeirização, enquanto característica inerente do capitalismo, evoluiu no decorrer dos anos até se tornar a estrutura vigente no capitalismo contemporâneo. Já no terceiro capítulo d'O Capital, Marx denunciava um possível processo de financeirização da economia, mas apenas em 1920, com A theory of business enterprise de Thorstein Veblen, a condição de proprietários ausentes foi estabelecida para o conceito de empresa financeirizada. Este processo se acelerou após a segunda guerra mundial, gerando outras discussões como crimes de colarinho-branco e teoria de agência. A partir dos anos 1970, o processo de financeirização se tornou a estrutura predominante do capitalismo. Esta consiste na ausência dos donos do capital no processo produtivo, de modo que a propriedade do capital está diluída em fundos mútuos e fundos de pensão. Neste sentido, há um descompasso de informações entre os proprietários e os administradores, e o único ponto de interesse na avaliação são indicadores financeiros que irão remunerar o capital.

A principal hipótese trabalhada por autores institucionalistas e pós-keynesianos se dá no sentido de que empresas de capital aberto estão propensas a negligenciar riscos, potencializando a ocorrência de danos ambientais, trabalhistas e etc. No Brasil, este processo é notável em casos como os rompimentos de barragens da VALE (Brumadinho e Mariana). Ainda que a lógica da financeirização tenha uma condição clara e objetiva, paralelamente essa condição afeta diversos aspectos da sociedade, em um panorama que segue dos fatores internos da empresa até o processo democrático de uma sociedade.

Análise

Primeiramente, para se entender o processo financeirizado, é necessário compreender o risco e a incerteza inerentes à expectativa de ganhos futuros dos investimentos. Enquanto a incerteza é o simples desconhecimento de uma ocorrência futura, o risco é a incerteza colocada em números e calculada a partir da teoria da probabilidade. Os modelos de gestão trabalham com teorias ergódicas, ou seja, tentam calcular os riscos futuros a partir de uma sequência a priori de acontecimentos iguais ou semelhantes. Sendo assim, podemos analisar a financeirização por duas óticas: interna e externa à firma.

Na primeira ótica, a confiança exagerada nos modelos ergódicos rejeita a incerteza na ocorrência de fatos futuros, o risco de que algo aconteça pode ser mínimo, mas quando acontecerá sempre será uma incerteza. Com essa pedra fundamental, os agentes administrativos depositam suas confianças nos modelos para garantir que os indicadores da firma sigam o patamar desejado pelos Money managers, os acionistas e donos do capital. Segundo a teoria econômica, a busca pela maximização dos resultados incentiva um comportamento negligente perante o risco. O principal debate criminológico deste aspecto é se esse objetivo incentivaria a negligência ou a omissão perante a incerteza.

Na ótica externa, podemos observar a consequência da financeirização para além da firma, além de uma consequência direta ao bem-estar das famílias pelo processo improdutivo financeiro. No primeiro caso, as decisões dirigidas pelas finanças atacam terra e trabalho causando danos ambientais e precarizações, além de especulações financeiras e imobiliárias que afetam diretamente classes pobres, como a gentrificação. Já no segundo caso, a busca incessante pelos indicadores financeiros reduz o consumo das famílias através de juros e crédito, que alimentam financeiras que não possuem capital produtivo (apenas financeiro), diminuindo consumo e afetando diretamente o bem-estar da população. Está demonstrado que esse processo não apenas gera acumulação de capital e aumenta a desigualdade, mas também cria um ambiente precário do trabalho nas indústrias financeirizadas e barreiras à entrada para novos competidores. A principal crítica destes aspectos transborda da questão econômica e criminológica pois, para uma corrente de pensamento crítica contemporânea, o acúmulo gerado pela financeirização dirige não só o capitalismo, mas também as políticas e os rumos democráticos pós crise de 2008.

Referências bibliográficas

MINSKY, Hyman. Estabilizando uma economia instável. São Paulo: Novo Século, 2010.
CAMPOS, Marcelo M. S. Money manager capitalism e os rompimentos de barragens de rejeitos do Brasil. In: CATTAN, Rafael (Org.) Dossiê Especial AKB ECOECO – O Desafio contemporâneo: construindo novas narrativas para a economia, p. 40-50, 2021.
DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo: a nova arquitetura do poder, sob dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta. São Paulo: Autonomia Literária, 2017.
GUTTMANN, Robert. Uma introdução ao capitalismo dirigido pelas finanças. Novos estudos CEBRAP, vol. 82, p. 11-33, nov., 2008
SANTOS, Diego R.; CAMPOS, Marcelo M. S. A lógica da financeirização em face da escolha racional no caso Mariana. Anais do XXVII Convibra, São Paulo, v. 18, 2021.

Referências culturais

Mercado verde: a financeirização da natureza (Amigos da Terra Brasil/Sucupira Filmes, 2017)
Documentário
O filme aborda as violações de direitos nos territórios provocadas pelos agentes da Financeirização da Natureza, que passa pelas violações da monocultura de eucalipto e soja no Bioma Pampa, intoxicação de todo o ecossistema à margem do Rio Doce pela Samarco (Vale do Rio Doce e BHP Billinton), extermínio de indígenas no Mato Grosso do Sul por latifundiários, ataques aos quilombolas e povos originários através de legislações elaboradas por ruralistas. Por fim, a cooptação do Estado que impulsiona a impunidade das grandes corporações violadoras.

Push: ordem de despejo (Fredrik Gertten, 2019)
Filme
Os preços de imóveis estão disparando em cidades ao redor do mundo. A renda do cidadão comum, não. Push: Ordem de Despejo lança luz sobre um novo tipo de proprietário sem rosto, sobre nossas cidades cada vez mais inabitáveis e uma crise crescente que afeta todos nós. O filme acompanha Leilani Farha, relatora especial da ONU sobre o Direito à Moradia, em suas viagens pelo mundo, tentando entender quem está sendo expulso das cidades e por quê. "Eu acredito que há uma enorme diferença entre a habitação como uma mercadoria e o ouro como uma mercadoria. O ouro não é um direito humano; a habitação, sim", diz Leilani.

Diego da Rosa dos Santos
Lattes | ORCID


SANTOS, Diego Rosa dos. Financeirização. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. 3. ed. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2022. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/financeirizacao/104. ISBN 978-65-87298-14-6.